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Trabalho e o Assédio Moral Projetivo - Novo olhar sobre o fenômeno

Laura Pedrosa Caldas
Doutora em Psicologia Clínica (Unicap), psicóloga em Saúde e Segurança do Trabalho, Psicóloga Perita (TRT-6), Coordenadora de Cursos de Pós Graduação em Psicologia (Faculdade IDE) e docente

Publicado em: 22/11/2019 03:00 Atualizado em: 22/11/2019 05:31

Duílio passa por mim, faz que não vê... Ele imita tudo que Deocrécia faz... Eu finjo que não vejo... está reproduzindo o assédio moral que a chefa pratica. Mas eu nem ligo. Só iria me incomodar se Deocrécia saísse e ele assumisse a chefia... as pessoas vinham falar escondido, pro gerente não persegui-las... (Fala de trabalhador assediada no trabalho).

Crescem as denúncias de assédio moral. No entanto, os impactos dessa violência no trabalho não foram suficientes para o legislador tipificar o crime. A falta de amparo legal dificulta o enfrentamento, exceto por instrumentos específicos, como a Lei 13.314/07, que coíbe a prática no serviço público, em Pernambuco.

Como preconizam os conceitos de Leymann e Hirigoyen, na França, e, no Brasil, da médica do trabalho Margarida Barreto, trata-se de atos sutis e sistemáticos, capazes de desestruturar emocionalmente a vítima que, perseguida e excluída do convívio de trabalho, torna-se um estrangeiro em seu lugar de produção; é induzida a erros ou acusada injustamente deles; é rotulada de incapaz, de doente ou de problemática. É "minada", passa a se sentir inútil, improdutiva e culpada por tudo que sofre. Essas são, portanto, os repetidos atos, gestos e palavras que configuram o fenômeno da violência no trabalho e, permanente, tende a ser reproduzido pelos diversos públicos com quem o trabalhador-vítima se relaciona no ambiente de trabalho.

Na prática profissional, seja em atendimentos a trabalhadores e reclamantes que se percebem vítimas, seja no atendimento de algozes ou por meio de falas veladas de testemunhas de violências no trabalho, é possível afirmar que o assédio moral inicia com a negação da alteridade. É impossível asseverar a intencionalidade do agressor, exceto num ato confesso. O que configura o assédio e outras formas de violência no trabalho são seus danos e não sua intenção. A vítima apresenta algo que falta ou excede ao algoz. Por não suportar a projeção ou "o eu visto por meio do outro", ou seja, os mecanismos defensivos, inconscientes, não dão conta desse desconforto, o algoz faz uso abusivo de um poder que legitima a violência. Reitera o que sentenciou Freud, em alguns tratados: o desejo se instala na falta (ou no excesso).

Os tipos de assédio moral conhecidos são: vertical descendente (chefe-subordinado), vertical descendente (subordinado-chefe) e horizontal (entre colegas). Essa identificação se faz importante no diagnóstico e principalmente nos encaminhamentos e recomendações que possibilitem modificar o cenário de violência e promover relações sociais e profissionais saudáveis. É relevante destacar o tipo Projetivo, ou seja, aquele que causa dano à testemunha. Pelo sentimento de culpa ao isentar-se ou por sua omissão, acaba contraindo ônus e agravos a sua saúde, ainda que sem danos à vítima. Diferentemente da reprodução da violência, quando a testemunha passa a contribuir com o agressor, o Projetivo é danoso porque o espectador discorda da prática imoral, percebe a violência e culpa-se por não denunciar ou intervir.

Qualquer que seja o tipo, seu diagnóstico não é simples, pois trata-se de uma violência onde a subjetividade é inerente. Sua complexidade exige um olhar sistêmico, considerando os aspectos sociais, culturais, profissionais, econômicos, financeiros. Recortes de gênero, de idade, de condições de saúde, de crenças religiosas, de orientação sexual, de etnia, entre outros, estão presentes e influenciam a citada dificuldade em lidar com as diferenças. A teia dinâmica das interrelações existentes em cena exige uma compreensão sobre o poder, a violência, a servidão e a subserviência impostos.

Na contramão de um diagnóstico adequado e em propor saídas que amenizem os danos, profissionais sem preparo investigam os conflitos e apontam queixas e culpados numa perspectiva rasa. Chegam a cometer desatinos e reproduzir a violência quando descredenciam a fala da vítima, rotulando-a de caluniadora, problemática ou mesmo que seus atos no trabalho justificam a violência que sofre. Esses profissionais sem competência sobre o fenômeno são tão algozes quanto outros violentos, pois contribuem para ampliar o sofrimento psíquico e o adoecimento.

A violência provoca repercussões multifacetadas! Atinge a saúde e o bem-estar de trabalhadores, assim como a imagem e a saúde financeira das empresas, a exemplo das lides trabalhistas. Gera também ônus à sociedade, principalmente custos previdenciários por doenças mentais de trabalhadores, reconhecidas pelo nexo causal do trabalho.

No palco do ambiente de trabalho, muitos são os papéis e tantos outros, os personagens. Tem até o espectador! Ele pode se manter distante do palco, mas jamais sairá neutro diante da peça.

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