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Os gênios e seus territórios

Marcelo Mário de Melo
Jornalista

Publicado em: 21/11/2019 03:00 Atualizado em: 21/11/2019 08:10

Os gênios são pedras preciosas da humanidade – ou estrelas de primeira grandeza – devendo assim ser cultivados. Temos gênios na ciência, na filosofia, na religião, na arte, na política, na paz e na guerra. Mas sendo humano e limitado, cada gênio precioseia e estreleia em territórios específicos. Porque primaciar em todos os territórios, somente em ficção - incluindo Deus, na maiúscula.

Fora do seu território, nos tratos da cidadania e da convivência, o gênio opina e interfere como qualquer cidadão comum, na santa ignorância e na carga dos preconceitos, podendo até dizer muita besteira, emitir conceitos retrógrados e assumir posturas repugnantes. O que, não raro, acontece. E sendo assim, convém não passar procuração e cheque em branco a gênio, fora da sua alçada.

No panorama internacional temos o painel de uma infinidade de exemplos e posturas nada geniais, de gênios. O reacionarismo do grande Jorge Luís Borges dispensa comentário. O gigantesco Ezra Pound, durante a Segunda Guerra Mundial fazia propaganda radiofônica do nazismo e foi pra cadeia por isso. O insuperável Fernando Pessoa via a monarquia medieval como o regime ideal, repugnava o constitucionalismo, a democracia,a plebe, e qualificava Anatole France como canceroso, por ser ele comunista.

No nosso território tupiniquim, temos José de Alencar como um ardoroso defensor da escravidão. O mestre Gilberto Freyre, parceiro do colonialismo português-salazarista, entre tanques de guerra, saudou o golpe civil-militar-empresarial de 1964, desenvolveu uma campanha de imprensa sistemática contra D. Helder Camara e pediu mais repressão. O grande Carlos Drummond de Andrade, num artigo publicado na imprensa sulista, em 1978, defendendo a anistia, afirmou que tinha recebido “com alegria infantil” a “revolução de 31 de março de 1964”. Alberto Dines, autor do notável livro-bíblia do jornalismo, O papel do jornal, em artigos no Jornal do Brasil defendeu o golpe de 1964 e se pôs, embevecido, ante a presença das tropas na rua. O genial Glauber Rocha, nos tempos da ditadura, exaltou tanto o general Costa e Silva, ditador de plantão, e os militares, que dar ia para compor um longa metragem. Sobre as posturas cívicas e relacionais do gênio Pelé, nem é preciso falar.

A lista é extensa e vamos ficando por aqui. Quanto aos gênios, convém beber e disseminar as seivas dos seus territórios específicos, sem nisso sermos afetados por rejeições que possamos ter diante de posturas por eles assumidas fora das suas lavraturas geniais. É o que mandam o respeito à cultura e o bom senso. Porque, no final das contas, os gênios são patrimônios culturais da humanidade.

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