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Enfim, quais os rumos da cultura? (parte 3)

Alfredo Bertini
Economista e professor. É autor de %u201CEconomia da Cultura%u201D (Ed. Saraiva, 2008). Foi Secretário Nacional do Audiovisual (2016).

Publicado em: 30/11/2019 09:00 Atualizado em:

Na parte anterior deste texto expus, de modo introdutório, o papel que a análise econômica pode (e precisa) exercer, no sentido de tornar as atividades da produção cultural como partes integrantes e relevantes da economia, em especial, num país de tamanha diversidade como o Brasil. E não me refiro aqui a generalidade da grandeza do país em si. O que quero acima de tudo destacar é a dimensão da cadeia de negócios que envolve as atividades culturais, justamente pela marcante heterogeneidade que as caracteriza. A ordem de grandeza é tão significativa que não se pode dispensar o tratamento plural nem no nome. Seria melhor reconhecer o setor como da(s) cultura(s), tamanha a diversidade e diferenciação.

Essa visão dual do setor é fato. Por um lado, são diversidades naturais. que se dão na produção, na distribuição e no consumo de cada arranjo produtivo, o que mostra a extensão da cadeia dos negócios da cultura. No audiovisual, por exemplo,  são inúmeras as produtoras, os distribuidores e os pontos de consumo de conteúdos.  Por outro lado, são distinções que se dão dentro dos próprios setores (intrasetorial) e entre modos de produção diferentes (intersetorial). Ou seja, ao se manter aqui o exemplo do audiovisual, dentro dele próprio e em cada etapa da cadeia há enormes diferenças nos pequenos, médios e grandes agentes. E todas essas diferenças no modo de produzir são ainda mais evidentes se comparadas, por exemplo, com outra atividade distinta, como a produção teatral. Enfim, não parece ser tão simples o entendimento da cultura como exercício necessário de um modelo econômico, haja vista tantas distinções. E por ter essa característica tão ampla e diferente, moldar um estilo único e próprio de política pública certamente representa um equívoco conceitual, que gera falhas inevitáveis na observação dos resultados.

Nessa visão de se incorporar, de fato, o vetor do negócio na matriz econômica, erram nas suas conduções os agentes públicos e privados. O setor público falha ao ignorar a amplitude da politica cultural, mesmo que essa ainda tenha o mínimo de respaldo da visão econômica. Isso por exercê-la sem conhecer as segmentações dos mercados e sem levar em conta a necessidade de ações diferenciadas e focadas. Erram os agentes privados que, por se sentirem mais artistas do que empreendedores, fazem dos seus ofícios estilos de produção desconectados da realidade econômica. Amparados, na maioria das vezes, por ideologias e doutrinas que fazem da cultura mais uma extensão do protecionismo estatal sem limites, distanciam-se dos mercados como se esses fossem seus calvários e sepulcros. De ambas as partes, um realismo esdrúxulo e anacrônico.

Diante de toda essa complexidade, que aqui se observa, desde o próprio conceito do que seja Cultura e daí atravessa toda essa multiplicidade de caracteres que diferencia cada modo de produção, não se tem ainda como construir os alicerces de uma política que enxergue a força da Economia da Cultura (ou Criativa). Apesar de tantas referências e tantos debates, recheados pela emoção de discursos e textos abstratos, os avanços foram discretos, quase nulos. Uma verdade nua e crua.

Conforme realcei no texto anterior, a realidade 3 D é a que, infelizmente, prevalece nesse cenário. Desconhecimento do que seja mesmo o papel econômico, desinformação pela falta de registros e desinteresse por políticas transformadoras, são o exercicio do  “D”, que contamina o setor.

Encarar os desafios significa exatamente romper com esses princípios. É sair do abstrato e partir para a realização, o concreto, que ponha a “cara” da economia como protagonista da “cena cultural”. Isso implica: a) superar as abstrações conceituais; b) entender as segmentações dos mercados diante da extensão da cadeia econômica; c) criar registros estatisticos oficiais e confiáveis; e d) tornar as politicas culturais não só efetivas, como alinhadas com seus papéis no modelo de desenvolvimento social e econômico.

Foi com esse diagnóstico, que intencionava modelar uma proposta de politicas culturais afinadas com o perfil liberal da equipe econômica do então candidato Jair Bolsonaro, que me inseri de modo reservado nas discussões formulativas.

Sobre esse fato e suas consequências trato no próximo texto.

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