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editorial Consciências precisam ser despertadas

Publicado em: 22/11/2019 03:00 Atualizado em: 22/11/2019 05:30

Líder do Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, Zona da Mata de Alagoas, Zumbi dos Palmares se tornou um ícone da resistência dos negros contra a escravidão, imposta pelos colonizadores europeus. Morreu em 20 de novembro de 1695, aos 40 anos.  A data, por inspiração desse líder, foi transformada em Dia da Consciência Negra. Em mais de 1.200 cidades brasileiras, o dia é feriado. Os movimentos sociais organizam uma série de eventos contra o racismo, um dos mais graves legados da escravidão.

Cento e trinta e um anos depois da abolição da escravidão, o Brasil não deixou de ser escravocrata, segundo o jornalista e escritor Laurentino Gomes, um homem branco, autor da trilogia Escravidão, cujo primeiro volume foi lançado há dois meses. “A ideologia racista, usada no passado para justificar o tráfico negreiro, permanece, ainda hoje, oculta nas formas preconceituosas de relacionamentos entre brancos e negros”, afirmou Laurentino, em entrevista a este jornal.

Embora o tecido demográfico do país seja um entrelaçado de fibras dos povos originários e dos que aqui aportaram desde o início do século 16, grande parte dos brancos ainda enxerga os negros como seres inferiores, sem inteligência, sem capacidade para atividades mais complexas. Essa parcela da sociedade sonha — e só pode sonhar — com um Brasil branco, como o padrão europeu. Mas não há como apagar da espiral genética o DNA negro, indígena e outros que carrega e que dão ao país a singularidade de miscigenação, da pluralidade e da diversidade étnica e cultural.

Essa visão equivocada e esquizofrênica de supremacia branca, alheia aos valores civilizatórios do século 21, impõe aos pretos e pardos maior consciência negra. E o que vem a ser essa consciência, que, se evoluídos fôssemos, teria a harmonia e o respeito como tons dominantes na relação entre as pessoas? Para o ativista negro sul-africano antiapartheid Steve Biko, assassinado aos 30 anos, em 1977, pelas forças racistas da África do Sul, “ser negro não é uma questão de pigmentação, mas o reflexo de uma atitude mental. Pela mera descrição de si mesmo como negro, já se começa a trilhar o caminho rumo à emancipação, já se está comprometido com a luta contra todas as forças que procuram usar a negritude como um rótulo que determina subserviência”.

Desde o dia primeiro deste mês, a série Histórias de Consciência, do Correio Braziliense, tem trazido personagens dos mais diversos locais da capital da República que demoliram muros, construídos com as pedras do racismo, e edificaram uma trajetória exitosa, nos mais diferentes ramos das atividades econômicas. Fizeram emergir, entre os que ainda se constrangem devido à pele negra, o orgulho de sua ancestralidade africana e a própria consciência negra. Mostraram que uma das formas de vencer as barreiras do preconceito não se dá apenas pelo discurso, mas pelas atitudes que tornam incontestes a capacidade laboral, empreendedora e intelectual dos negros.

O despertar dessa consciência negra passa pelo entendimento de que estar na senzala ou na casa grande não faz nenhuma diferença: todos seguem vítimas de um regime escravocrata, que subjuga, deprecia e humilha não só os negros, mas todos aqueles considerados diferentes ou com pouco ou nenhum poder de consumo. A desconstrução do racismo impõe uma resistência diária contra os desrespeitos individuais e coletivos. Implica recorrer à legislação vigente e cobrar das autoridades o cumprimento dos marcos legais na sua integralidade. Passa, sobretudo, por mudanças no sistema educacional, que valoriza a cosmovisão eurocentrista em detrimento da afro-brasileira, que deu — e ainda dá — enorme contribuição ao desenvolvimento socioeconômico do país. Exige um despertar de todas as consciências, independentemente da cor, para o significado de ser humano.

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