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Uma mulher, um memoricídio

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 01/10/2019 03:00 Atualizado em:

Minha amiga Constancia Lima Duarte, professora na Universidade Federal de Minas Gerais, depois de ter ensinado por vários anos na Federal do Rio Grande do Norte e se tornado especialista em história das mulheres, inventou este substantivo, memoricídio, de cujo conteúdo já deve ter desconfiado o leitor. Pesquisando como muitas de nós, pertencentes ao Grupo de Trabalho Mulheres e Literatura, da Associação Nacional de Pós-graduação em Letras e Linguistica, Anpoll, esta colega se deu conta do apagamento dado a pessoas do sexo feminino que em algum momento da vida ousaram tomar a palavra, aparecer (que afronta) sob modos diversos e sobretudo no setor das artes, na música, na pintura, escultura, na literatura, acrescentando ao mundo um discurso outro, uma visão de mundo, uma beleza que não existia antes. Todos sabemos alguns nomes dessas sofridas mas finalmente vitoriosas criadoras, sufocadas por pais dominadores, por irmãos, noivos, maridos, companheiros amados: Colette, talento sufocado e explorado por Willy, Camille Claudel, extraordinária escultora obscurecida por Rodin, e mais Frida Kahlo, Alma Mahler, e a esposa de Jules Michelet, organizando, copiando, as páginas do livro. A Mulher, que o  marido lançava ao chão, enquanto ao mesmo tempo ela cozinhava, lavava, engomava, cuidava da família. Uma, entre tantas. Domingo passado na Academia Pernambucana de Letras, em bela homenagem a Clara Schumann, pianista, compositora só conhecida de alguns, pensamos em artistas pernambucanas, cantoras, pianistas,violinistas, professoras de canto e piano, no Conservatório, no Departamento de Música da Ufpe  em residências e em colégios, como Atenilde Cunha e Denise Ferreira, no Colégio Agnes, como a talentosa soprano Carmela Matoso, como Arlinda Rocha, Josefina Aguiar, as irmãs Nobre de Almeida Nizia, Hilda e Helena, Alaide Rodrigues, Isabel Barros Leal, Raquel Casado, Jussiara Albuquerque, concertistas e iniciadoras da arte musical, talentosas e dedicadas, enquanto ouvíamos a mezzo soprano Virginia Cavalcanti em delicados lieders (pequenas canções em geral baseadas em textos de poetas) de Clara Schumann, dedicados a Robert o esposo, e, desconfio eu, maldosamente, a Brahms, que idolatrava Robert Schumann tanto quanto amava, em silêncio, a  esposa do compositor, a doce e talentosa Clara. Acompanhada por um maravilhoso trio, maravilhoso é o termo, Virginia mais que nos encantou, recitando os poemas inspiradores dos lieders, que falavam de amor, de jardins banhados pelo luar, tão celebrados pelos românticos, de flores de lótus ao lado de lagos azulados, interpretados com a doçura e a suavidade exigidas pela fala do poeta, e que a voz tão bem interpretava. O trio formado por Karolayne Santos, ao violino, Diego Dias (cello), Fernando Muller, piano, mais que acompanhava, dialogava com a  bela voz da cantora, aliando profissionalismo e sensibilidade. Essa deliciosa tarde de concerto na APL começara com a execução de três romances interpretados por Fernando Muller, acompanhado pelo músico e artista do Oboé,  Artur Ortenblad. Como de costume, em finais de tardes domingueiras, o público lotou o auditório da Apl, espaço ideal para esse tipo de concerto dirigido a amantes da boa música, organizado pela pianista Elyanna Caldas, agora também uma nova companheira nessas atividades de qualidade da cultura pernambucana. 

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