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Um livro revelador

Jorge Santana
Membro da Associação Pernambucana de Apoio aos Doentes do Fígado - APAF

Publicado em: 28/10/2019 03:00 Atualizado em: 28/10/2019 08:53

Ao comemorar vinte anos do primeiro transplante de fígado aqui no Nordeste, o médico, professor e acadêmico Cláudio Lacerda está lançando um livro que, a pretexto de registrar sua experiência de cirurgião, desnuda por inteiro seu caráter e sua história de vida. Este segundo livro seu torna público o ser humano jubiloso da própria contribuição social, mas também cônscio dos limites e fragilidades do seu êxito. Cultor de irrestrita franqueza e incondicional liberdade de pensar e dizer o que pensa, ele se sente comprometido com a verdade e a justiça, mesmo sob o risco de arranhão no prestígio merecidamente conquistado.

Perdão, Joana constitui um convite à reflexão, num discurso direto e simples. A comunicação que propõe tem a feição de uma conversa entre amigos e parceiros das mesmas inquietudes. Daí porque, aqui e acolá, lança dicas propositais para entabular uma arenga criativa. Nem por isso deixa de ser afirmativo, com assumir posições sobre certos temas, embora esquivando-se de viés autoritário. A elegância é sutil e escapa à pretensão de fisgar louvações.

A leitura deste livro esclarece porque “o estilo é o homem”: único, irreplicável e revelador da singularidade do seu titular, é a exata imagem do indivíduo desembaraçado das próprias máscaras e, pois, confiável no que depõe. Aqui não se surpreende propriamente o método condutor das análises. Mas fica patente a coerência na forma de abordar as questões e no referencial filosófico, científico e político, que permite o desdobrar-se dos juízos críticos.

Os homens que marcam seu tempo não se dão a concessões. Não agem nem se expõem para agradar. Ao invés disso, rebelam-se, dividem opiniões e fraturam consensos. Por isso mesmo, costumam pagar o alto preço do monólogo, do isolamento e do ostracismo. Ora, o que se vai encontrar neste livro? Posições firmes e desassombradas, contrariando o conforto das convicções estabelecidas. Pode-se discordar do autor, e não serão poucos a lhe torcerem o nariz, e até lhe reservarem explícito rancor. Por sorte, virá de outros ardorosa adesão. Só não haverá quem lhe fique indiferente. Mesmo porque não é superficial ou gratuita sua argumentação.

Propondo-se a tratar de fatos, objetos e sujeitos sob a “ótica de um cirurgião”, Cláudio Lacerda promete alcançá-los com o emprego radical de um bisturi. Então, lanceta as questões examinadas, qual se rasgasse “o manto diáfano da fantasia” para trazer à plena luz “a nudez crua da verdade”, ou, como parece preferir, da justiça. Vale o prazer de acompanhar esse escritor – já bem-sucedido, numa terra de raros leitores – ao longo da trajetória do seu pensamento rebelde.

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