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Sobre a solidão

Roque de Brito Alves
Professor e advogado

Publicado em: 30/10/2019 03:00 Atualizado em: 30/10/2019 09:42

1 – O fenômeno humano da solidão pode ser analisado sob vários aspectos: o positivo, o negativo e às vezes até sob uma anormalidade (na esquizofrenia, na depressão). Não pode ser avaliado em termos extremos como os de Aristóteles “o solitário ou é um anjo ou uma besta”.

2 – Em verdade, a solidão não deve ser confundida unicamente com o “estar só”, isolado fisicamente ou socialmente pois atualmente nas grandes cidades, no mundo virtual de hoje o cidadão está sozinho no meio da multidão, em uma sociedade egoísta, indiferente, sendo mais um número entre milhões. Embora tudo esteja conectado em nossos dias está longe humanamente do outro, do seu irmão, do seu semelhante. Portanto, a solidão é muito mais um estado de espírito que algo físico, corporal de proximidade, pode estar só no meio da multidão.

3 – Geralmente, a solidão é vista negativamente, pejorativamente ou até como objeto de compaixão, de pena e no Eclesiastes já está dito: “Aí dos solitários”, “vã é a vida do solitário” pois sozinho ninguém o ajudará a levantar-se se cair, ninguém o aquecerá quando sentir frio, incapaz assim, de gerar qualquer coisa boa, de ser feliz.

4 – Tal interpretação niilista, negativa é equivocada, pois a solidão muitas vezes é fecunda, positiva, necessária para o filósofo, o cientista, o artista. Assim, solitário e surdo, Beethoven compôs a Nona Sinfonia, obra prima da música universal; Kant escreveu a sua profunda Crítica da Razão Pura com a metafísica em seu nível máximo, na sua solidão na tranquila cidade de Koenisberg, na Prússia; Michelangelo sozinho durante anos pintou a obra maravilhosa que é o Juízo Final na Capela Sistina no Vaticano; Einstein longe de tudo e de todos elaborou pacientemente a sua genial Teoria da Relatividade em 1913. Solidão, então, necessária para o ser humano poder criar, ser original no que produz em benefício da humanidade, é a solidão boa, amiga. A sua irmã gêmea é o silêncio pleno de paz e de busca do seu mundo interior.

5 – Por outra parte, pode ser um fenômeno revelador de alteração ou de anormalidade da personalidade como indicador de depressão ou de esquizofrenia, o esquizofrênico em seu autismo estranho, criando o seu “mundo próprio”, fora da realidade, “está no mundo sem ser do mundo”.

6 – Na Bíblia, no Gênesis está revelado que Deus disse: “Não é bom que o homem esteja só” e criou a mulher para que o ajudasse e o completasse e assim em tese o ser humano sozinho não poderia ser feliz pois é gregário por natureza tendo necessidade de conviver com o outro. Infelizmente, muitas vezes, hoje existe a denominada “solidão a dois” em que estão juntos marido e mulher mas não se conhecem, não se entendem, não se comunicam, não vivem em função do amor pelo outro e sim por outros motivos convencionais ou até por “interesses” os mais variados possíveis. O tempo de conversa é substituído pelo tempo no celular.

7 – Afinal, se é verdade não ser bom estar sempre sozinho, não se deve ter, porém, pena sempre do solitário, não ser olhado desconfiadamente como algo estranho, não deve ser considerado um infeliz ou um anormal. E aliás o povo em sua sabedoria diz: “antes só do que mal acompanhado”. Pode ser uma opção de vida, uma escolha como tantas outras que são feitas na existência, pois o solitário não é inimigo do outro nem do seu grupo social, tem todas as boas qualidades ou virtudes de qualquer ser humano.

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