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O perverso destino do bairro de São José

Juliana Barreto
Arquiteta e urbanista, professora do Centro Universitário UNIFBV

Publicado em: 03/10/2019 03:00 Atualizado em: 03/10/2019 08:26

A Companhia Armazéns Gerais de Pernambuco, fundada no Recife há exatos cem anos, surgiu pela crescente demanda de estocagem de produtos nacionais e estrangeiros, principalmente o algodão, aos moldes das docas inglesas de Liverpool. Para além dos saturados armazéns portuários, teve no entorno da Campina do Bodé, outrora denominação da localidade que abarcou a Praça Sérgio Loreto, seu embrião de conexão logística. Em pouco tempo, iniciativas empreendedoras convergiam para a valorização do espaço como lugar, em uma tríade de vultosos investimentos: a implantação e ajardinamento da Praça Sérgio Loreto (projetada como parque), assim denominada em deferência ao chefe de Estado, a construção de um Grupo Escolar e a instalação da Companhia Fábrica de Tecidos Bezerra de Mello, no mesmo local dos Armazéns Gerais, pela comum propriedade dos imóveis - o empreendedor Othon Bezerra de Mello.

Ademais da composição paisagística que esse peculiar conjunto estabelecia com o ambiente, e que o transformou em um polo vital do bairro de São José, a entusiasmada mão-de-obra operária, aliada ao desempenho do maquinário têxtil de origem inglesa em atividade fabril, garantia a dinâmica otimista dos grandes feitos urbanos. Na confluência de eixos estruturadores, a área era beneficiada estrategicamente: as linhas férreas e o Rio Capibaribe, então acessado pelo pouco conhecido cais do Gusmão, encurtavam as distâncias até o porto e os arrabaldes mais distantes. Esse era um breve retrato de um Recife ainda vivo e articulado, pelo sábio olhar de grandes homens do passado.

Em dias atuais, as conexões logísticas tomaram novo rumo e o burburinho fabril já não é familiar. Não se veem mais os saraus, nem casais enamorados no passeio da praça. O disputado reduto da Sérgio Loreto cedeu espaço à lamentável condição de ruína urbana. O descaso intencional vem transformando, silenciosa e fatalmente, o lugar em conjuntos habitacionais de mal gosto, sem referência à história, nem aos princípios de composição urbanística. Perde-se o nosso patrimônio de pedra e cal e se desestrutura toda uma rede planejada de comunicação. Em seu centenário, a iniciativa dos Armazéns Gerais repousa esquecida em alguma vaga lembrança do passado - um perverso destino comum ao bairro de São José.

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