Diario de Pernambuco
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O espanto do meirinho

Vladimir Souza Carvalho
Presidente do TRF5

Publicado em: 25/09/2019 03:00 Atualizado em: 25/09/2019 09:30

A trajetória de juiz de direito foi farta de fatos que me chamaram à atenção, e, assim, ficaram, entre tantos e tantos que já enfoquei. Aqui e ali um e outro ainda colocam a cabeça fora da água, como se estivessem cansados da sepultura onde foram parar, querendo se tornar público, na tentativa de ganhar a roupagem do texto. Mede-se o fato, se merece ser contemplado com a ressurreição, afinal são tais ocorrências que caracterizam um tempo que ficou bem para trás.

Há um deles, ocorrido em comarca por onde passei, a merecer o beneplácito público. Peço ao oficial de justiça que vá ao cartório a fim de me trazer determinado processo. O cartório ficava bem perto do fórum. O meirinho foi rápido, voltando, contudo, de mãos vazias. Não chegou nem a falar com a escrivã sobre o processo solicitado. Estava tão vermelho que me espantou, e, aliás, a começar pelo desabafo de que nunca tinha passado por tanto vexame, me solicitando, pelo amor de Deus, que não o mandasse mais ir por lá. E que diabo aconteceu, homem? Desembuche, exclamei, ordenei, nem sei mais o quê, eu, entre espantado e curioso. O homem tomou fôlego, para poder soltar a língua.  

Ouvi, então, o seu relato, entendendo melhor o constrangimento alegado. O cartório estava vazio. Ele, então, adentrou em outra sala, e deparou-se com uma cena, esta sim, o centro de todo o universo. A escrevente, que era casada, estava abraçada com um advogado, tão concentrados os dois nos beijos que não notaram a presença do meirinho. E daí, indaguei, nunca viu um homem e uma mulher se beijando? Então, veio a revelação final: o advogado, doutor, estava com aquilo duro, espetando a calça. Na minha idade, doutor, não mereço ver uma coisa dessa.

Não consegui segurar o riso. O oficial me olhava incrédulo, ainda vermelho, e eu rindo. Depois, fechei a cara. Mudei o tom. Me vesti de conservador. Tal qual uma beata. Pedi desculpas, pelo que viu. Fiz alguma peroração sobre a pouca vergonha dos novos tempos, considerando que o mundo estava perdido. Terminei culpando as novelas de televisão. Não voltamos mais a falar sobre a matéria. Após, já em outra esfera judicial, me lembrei de uma frase que ouvi muito em tempos bem remotos - ganha-se pouco, mas é divertido. Era. De fato. Dá até saudade.

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