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Ajuste fiscal: choque ou gradual

Alexandre Rands Barros
Economista, PhD pela Universidade de Illinois e presidente do Diario de Pernambuco

Publicado em: 21/09/2019 03:00 Atualizado em: 23/09/2019 09:34

Ao longo dessa semana os economistas brasileiros discutiram a natureza ideal para o choque fiscal, que é necessário para a economia voltar a crescer. É uma discussão natural após consolidação da reforma da Previdência no Congresso e previsões orçamentárias para 2020, com constatação de que o estrangulamento fiscal permanece e se acentuará. Algo óbvio, mas que é esquecido à sombra de delírios causados pela euforia em torno dos debates sobre a reforma previdenciária. O avançar das discussões sobre a reforma tributária torna ainda mais clara a necessidade da definição de como vamos promover o ajuste fiscal que todos os entes governamentais necessitam para funcionar no Brasil. Uma proposta de ajuste mais radical esteve no centro dos debates. A ideia é que se isso não for feito poderemos estar abrindo a porta para a inflação descontrolada voltar ao Brasil.

A ideia de ajuste de choque já foi apresentada pelo ministro Paulo Guedes no início do ano. Ele defendeu que houvesse uma desvinculação de todas as despesas. Assim, as autoridades executivas poderiam cortar gastos no que bem entenderem. Obviamente, para funcionar de forma adequada, os governos deveriam ganhar o direito de demitir funcionários públicos, assim como ocorre na iniciativa privada. Com isso, o governo federal poderia definir regras radicais de ajuste fiscal, reduzindo as despesas para caber no seu orçamento e prioridades. Obviamente, se uma proposta dessas vier a ser efetivamente apresentada, algumas categorias logo serão preservadas, como juízes, por exemplo. Caso contrário, os governos poderiam demitir os juízes que estão com perspectivas de julgar adversamente seus amigos. Da mesma forma, fiscais da Receita Federal deveriam ser preservados por causa de possibilidade semelhante de demiti-los quando prejudicarem os amigos dos governantes. Mas a essência da ideia é permitir aos governantes realmente definirem prioridades na gestão pública.

Essa proposta violenta um dos pilares básicos da democracia moderna, que é a construção coletiva de vários arcabouços institucionais, com ênfase na participação dos agentes realmente interessados em cada uma das partes do governo, sem deixar governantes eleitos com sistemas eleitorais majoritários controlarem completamente a gestão pública. Vale lembrar que qualquer governante é eleito com bases em poucas posições políticas e propostas, enquanto, estando no poder, toma decisões sobre um número muitíssimo maior de políticas. Por isso, o sistema de excesso de poder nas mãos dos governantes para definir prioridades tende a gerar muitas políticas e decisões que não refletem os interesses da maioria da sociedade. Daí a necessidade de definição de regras que tolham suas decisões em algumas áreas de atuação do executivo.

Apesar do choque no ajuste fiscal ser uma ideia com apelo, pois o Brasil hoje está ingovernável, dada a rigidez fiscal existente, ainda assim, sua implementação pode ser perigosa demais em um sistema de governo onde o Executivo não depende de apoio de maioria de eleitos de forma proporcional, como ocorre no parlamentarismo. Ou seja, a promoção de ajuste fiscal gradual, onde vai se mudando as regras prioritárias a cada momento ainda é a forma mais segura para o nosso país. O que pode se pretender é introduzir mudanças na lógica gradual, mas com maior radicalismo ou impactos maiores nos orçamentos. Políticas de concessões e privatizações em larga escala são formas de fazer isso. Retirar prejuízos das estatais e responsabilidade de investimentos dos governos pode ser um caminho de ganho de flexibilidade na atuação pública.

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