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Um homem que plantava árvores

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras
opiniao.pe@diariodepernambuco.com.br

Publicado em: 20/08/2019 03:00 Atualizado em: 20/08/2019 06:28

Toda vez que florescia a mangueira lá de casa, meu pai repetia um verso, que só muito tempo depois descobri ser de Gonçalves Dias: “Já viste nada mais belo do que uma bela mangueira?” No Grupo Escolar Clovis Bevilacqua a gente estudava A árvore da serra, que fez chorar Augusto dos Anjos. abraçado ao tronco do tamarindo tombando “aos golpes do machado bronco”. O pai do poeta, incomodado pelo tamarindo, assegurava, como Aristóteles, que as árvores não têm alma. Mais tarde, repetíamos Olegário Mariano, apaixonado pelas ingazeiras nas margens do Capibaribe no Poço da Panela: “Qualquer mortal como eu sabe fazer um poema. Mas, quem pode fazer uma árvore? Só Deus”.
O último número do Suplemento Pernambuco, ( venda nas bancas e na Livraria da Cepe no Museu do Estado ) traz um ótimo estudo, muito atual, sobre formas de pensar nossa relação com as plantas “na literatura, nas artes visuais e nas ciências” assinado por Evando Nascimento. Este professor da Universidade Federal Fluminense, propõe um novo humanismo que agrega conceitos de cidadania e direitos florestais. Lembra a revitalização de região, no Vale do Rio Doce, empreendida pelo casal Lélia e Sebastião Salgado, criando o Instituto Terra, nascido de trabalho de recuperação ambiental de fazenda pertencente à família do fotógrafo. Cita o documentário Amazonia: o despertar da florestania, da Globo Filmes. dirigido por Chistiane Torloni. E nos apresenta a novela do francês Jean Giono, O homem que plantava árvores, editada recentemente pela Editora 34, embora tenha sido publicada em 1950 pela Readers Digest. Nessa novela, Giono conta a atividade de um camponês da Provence, sul da França, que, tendo morrido o filho e a esposa, se isola numa região despovoada, longe de tudo, e se dedica a plantar árvores, semeando dezenas, centenas, milhares de caroços e sementes de árvores, ao longo da existência, transformando o que era um deserto, sem água, sem verde, em uma floresta que logo atrai as pessoas e com elas a vida. Autor de vários romances, Jean Giono, filho de um sapateiro e de uma lavadeira, só deixou sua residência no povoado de Manosque, onde nasceu e morreu, para lutar na guerra de 14, e receber em Paris vários prêmios literários que lhe foram atribuídos e também para sofrer por duas vezes a prisão, por suas idéias pacifistas. Seu romance mais importante é provavelmente Que ma joie demeure, (que minha alegria permaneça) titulo da cantata de Bach, traduzida em português por Jesus alegria dos homens. Giono descreve a chegada de um desconhecido num povoado provençal, um certo Bobi que modifica a vida das pessoas, convencendo-as a substituir a busca do lucro individual, do ganho, pela ação coletiva de repartir bens. Esquecem o dinheiro, trabalham menos, ganham menos, mas se cansam menos, descobrindo a generosidade, a alegria. Ao longo do romance, Giono nos entrega páginas antológicas, de rara beleza. Como a fala do camponês que acorda a esposa para dizer seu desejo de ir lavrar o campo ao luar, em meio às amendoeiras. Ou aquele outro que resolve plantar roseiras selvagens (aubépines em francês) em lugar do trigo ou de centeio. “Porque com as aubepines veem os passarinhos, ah!”. Ou ainda, a cena de preparação de um almoço coletivo, onde cada um traz o produto de seu trabalho, tudo contado em detalhe, cheiros dos pratos, das carnes assando na brasa, molhos rústicos resultanteas de ervas dos campos, do alecrim colhido ao raiar da autora. De dar água na boca, obrigada, Giono.

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