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O legado da Bauhaus 100 anos depois

Marcus Prado
Jornalista

Publicado em: 09/07/2019 03:00 Atualizado em: 09/07/2019 10:22

Precisamos dar continuidade nos meios acadêmicos e nas grandes mídias a um grande debate sobre o futuro da Memória. Debate também no âmbito dos museus, arquivos, bibliotecas, academias, nos eixos definidos de pesquisa e centros de memória. O que recordamos como indivíduos e sociedade? O que, nesta nossa sociedade do esquecimento, esquecemos? O que merece ser memorizado e o que merece ser esquecido? O que deve ser conservado e o que deve ser abandonado na cadeia do tempo? Como o filtro seletivo atuará separando o que deve ser retido daquilo que será descartado?  Como preservar os lugares da memória: os monumentos, os quadros, as obras literárias e artísticas, os museus que expressam a versão consolidada de um passado coletivo de uma determinada sociedade? O que faremos das memórias subterrâneas ou marginais que correspondem a versões sobre o passado dos grupos dominados de uma sociedade?  E das memórias não monumentalizadas, nem gravadas em suportes concretos? Qual futuro para a memória? Somente o futuro mesmo nos dirá? E se esse futuro já começou? Se começou, não é mais o que era.

Trago tais questionamentos para atiçar uma ampla reflexão sobre esse tema, e o centenário, neste ano de 2019, da Escola Bauhaus, ícone singularíssimo, mundialmente celebrado, do design e da arquitetura moderna, fundada em Weimar por Walter Gropius.  Para mim, um dos acontecimentos históricos que mais se coloca nesta escala de indagações sobre a memória e suas abrangências de hoje e do futuro. Sua história é fascinante. Duplamente fascinante e enriquecedor é o seu legado.  Além da importância como centro avançado, inovador, revolucionário das artes e construção de vanguardas, era composta de uma carga política desafiadora, que iria determinar o seu fechamento, em 1933, com a ascensão do nazismo e o banimento dos seus professores que se exilaram nos EUA, durante a II Guerra Mundial, após a ascensão de Hitler. O ditador fez uma ameaça naquele seu estilo arrogante de mofa e desdém, o dedo em riste, ao passar, certo dia, pela sede da Bauhaus. Ordenou que o motorista parasse o seu Mercedes-Benz conversível 770K, de 1939 e, aos berros, exclamou que as portas da Bauhaus fossem fechadas, “para sempre”, “ou serão todos levados aos campos da Sibéria. Isso aí é coisa de judeus e comunistas!.” Dentre eles, estava um dos maiores gênios que a humanidade conheceu: Walter Gropius. Ele queria que artistas e artesãos trabalhassem juntos e aprendessem uns com os outros.

Bauhaus (que não deixou de ter uma relação recíproca com a natureza) foi um movimento que encampou a necessidade de dialogar com o impulso da modernidade, uma experiência sempre inacabada, injetando funcionalidade e inteligência em projetos de arquitetura e influenciando fortemente o universo das artes visuais. O rol de artistas, que trabalharam e deram aulas na Escola, incluía nomes de primeira grandeza como Paul Klee, Josef Albers, László Moholy-Nagy, Johannes Itten e Wassily Kandisnky. Suas ideias somavam uma nova concepção de arte, uma nova consciência criadora não só para a Alemanha. No Brasil, Oscar Niemeyer pode ser considerado um herdeiro da Bauhaus na concepção do plano piloto de Brasília. Depois de Niemeyer, outros continuaram o sonho da Bauhaus em obras e projetos emblemáticos da nossa arquitetura. Hoje, há uma sólida e equilibrada ação cultural naquele ambiente de múltiplos saberes. Permanece sendo mais do fluxo do que do fixo: eis o sentido vivo da criação. Cerca de 5 mil estudantes de 70 países estão estudando na instituição que a sucedeu, a Universidade Bauhaus, em Weimar. Tive a sorte de conhecer a Bauhaus, em Weimar, e posso dizer que experiência cultural como aquela não existe outra igual. Bauhaus é a afirmação de um desígnio  altamente ambicioso.

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