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Imprevidência social

Jacques Ribemboim
Economista

Publicado em: 04/07/2019 03:00 Atualizado em: 04/07/2019 09:26

Há vinte e dois anos, escrevi em um artigo acadêmico que políticas públicas necessárias e impopulares deveriam ser implementadas por etapas, e não de uma só vez. Baseava-me na prospect theory, estabelecida por Daniel Kahneman e Amos Tversky, dois célebres pesquisadores israelenses. Valia-me do conceito de “funções de utilidade esperada” e enfatizava o papel do tempo na aceitação de mudanças estruturais significativas. De uma maneira ou de outra, não se sabe de se forma consciente ou não, é assim que nossos governos têm procedido no que se convencionou denominar de “reforma da Previdência”, na verdade um longo processo de ajustes, iniciado com FHC, passando por Lula e Dilma, saltando Temer (dada a exiguidade de seu comando) e chegando, neste momento, às mãos de Bolsonaro.

Para os analistas, uma reforma que implique redução no déficit previdenciário em mais de 900 bilhões de reais nos próximos dez anos asseguraria um segundo mandato para o presidente ou lhe permitiria eleger seu sucessor. Decorre daí o aspecto político da atual “reforma”. Do ponto de vista técnico, não há como refutá-la.

De um modo geral, a previdência social pode ser empreendida de três maneiras: (1) pelo sistema repartidor, em que uma geração de trabalhadores suporta a dos inativos; (2) pelo sistema de capitalização, onde o trabalhador, a empresa e o governo concorrem para um fundo de contas individualizadas que garantirá a aposentadoria de seus titulares; ou (3) por meio de um sistema híbrido dos dois anteriores, em que o governo assegura uma renda mínima àqueles que não conseguirem poupar o suficiente. No Brasil, até recentemente, utilizamos o sistema repartidor, onde todos fazem depósitos em uma espécie de “bolo comum”, a ser dividido entre os aposentados (o senador Roberto Campos preferia o termo “vala comum”, onde se enterravam as chances do desenvolvimento).

O sistema repartidor, contudo, só pode ser usado enquanto o país apresentar altas taxas de crescimento populacional. À medida que completa seu ciclo de transição demográfica e a longevidade dos cidadãos se amplia, torna-se iminente a falência do modelo, minando as perspectivas de sustentabilidade. Findou-se o “bônus demográfico” que um dia nos foi legado pelos bebês dos anos sessenta, setenta e oitenta. Hoje, cinquenta e três milhões de trabalhadores sustentam trinta e cinco milhões de beneficiários (aposentados e pensionistas), isto é, a cada três trabalhadores correspondem dois aposentados.

Todavia, o déficit previdenciário – na casa dos 280 bilhões de reais por ano e com tendência de piorar – não se atém à simples análise demográfica (que por si, já seria suficiente). Se o país com menos juventude e mais aposentados estiver atravessando por uma crise econômica, com altas taxas de desemprego, subemprego e informalidade, a carga sobre os que permanecerem no mercado formal se elevará sobremaneira.

No caso brasileiro, como se não bastasse, há os ingredientes corporativos, que agravam a questão, como as pressões dos servidores públicos em geral, dos sindicatos e dos empregados das estatais, sem contar a torcida silenciosa daqueles que ocupam as cúpulas administrativa, judiciária, legislativa e fiscalizadora, interessados em manter a regressividade das regras atuais.

Em suma, transição demográfica, longevidade, crise econômica, informalidade, corporativismo e malversação do erário implodem qualquer modelo previdenciário que não esteja ancorado no sistema de capitalização. Com matemática não se brinca. Nem com o futuro de uma nação.

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