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Gilberto Freyre, também fotógrafo, vira tese de doutorado

Marcus Prado
Jornalista

Publicado em: 17/07/2019 03:00 Atualizado em: 17/07/2019 10:25

No início de uma tarde de sábado de outubro de 1968, o médico e antropólogo Renê Ribeiro, o jornalista Gladstone Vieira Belo e eu fomos convidados por Gilberto Freyre para uma conversa no Solar de Apipucos sobre o seu novo livro, “Como e Porque Sou e Não Sou Sociólogo”, lançado semanas antes com o selo da editora da Universidade de Brasília. Passadas as trocas de ideias e impressões sobre o livro que se tornaria uma das fontes primordiais da bibliografia gilbertiana, perguntei a Gilberto, sendo eu amante da Fotografia como arte maior, como se deu o seu interesse pela pesquisa sociológica tendo por base, em numerosos casos, a fotografia documental? Como se desenvolveu o seu método de pensar o fato sociologicamente em diversas áreas científicas, estando a Fotografia como foco de interesse, seu instrumento de pesquisa? Gilberto foi preciso nas lembranças que guardava sobre os passeios de bicicleta por Recife e Olinda, com seu irmão Ulysses Freyre, quando precisava de elementos visuais para as suas pesquisas sobre o patrimônio histórico edificado nas duas cidades, entre 1923 e 1925, e documentar, com a sua Leica, o que estava em vias de desaparecer ante os olhos. Foi gratificante ouvir o testemunho de Gilberto. Cito de memória: “Há, indubitavelmente, uma relação íntima entre arquitetura, o patrimônio histórico edificado e Fotografia. Procuramos, eu e meu irmão Ulysses, tirar o máximo proveito do equipamento que possuíamos, para o acervo que iria enriquecer as minhas pesquisas. Fotografar, disse o autor de Casa Grande & Senzala, é a forma mais rápida de se registrar um fragmento do tempo. E a arquitetura, que está em eterna transformação, encontra na Fotografia uma grande aliada.”.

Gilberto encontrou na Fotografia uma vívida e fecunda auxiliar nas suas pesquisas. Deixo registrado mais um pioneirismo de Gilberto Freyre nos domínios avançados da sociologia, numa época em que nos anos 1920, a Fotografia documental, nos EUA e na Alemanha, nos meios culturais e acadêmicos, iniciava uma arrojada fase de crescimento sob o impulso do grande teórico da fotografia Lázló Moholy-Nagy e de Alexander Rodtchenko. Lázló foi o fotógrafo mais influente da vanguarda alemã. Acreditava que a fotografia oferecia uma linguagem visual de suma importância para as pesquisas históricas. O antropólogo francês Paul Rivet, grande amigo de Gilberto, o pintor Lula Cardoso Ayres e, depois dele, João Câmara tinham suas Leicas como auxiliares nas suas pesquisas de campo.

Para a minha surpresa e alegria acabo de saber que, na Universidade de São Paulo, uma jovem pesquisadora e mestra de muitos saberes, Luciana Cavalcanti Mendes, defendeu uma tese de doutorado intitulada “Diários fotográficos de bicicleta em Pernambuco: os irmãos Ulysses e Gilberto Freyre na documentação de cidades na década de 1920”. Conforme escreve Luciana em seu trabalho, as fotografias de Ulysses e #Gilberto servem como “artefato de memória propulsor do embrionário projeto político-intelectual de Gilberto nesse período”.

Gilberto Freyre revolucionou a historiografia. Em cada página de sua vasta obra podemos perceber a imensa dimensão da personalidade genial do autor, que é realmente, inesgotável. Em vez do registro cronológico de guerras e reinados, ele estudava o cotidiano por meio da história oral, documentos pessoais, manuscritos de arquivos públicos e privados, anúncios de jornal e outras fontes, como a Fotografia.

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