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A ética pública e o super-herói

Maurício Rands *

Publicado em: 29/07/2019 03:00 Atualizado em:

Na 5ª feira, 25/7, de posse de informações sigilosas sobre o inquérito dos hackers de Araraquara, o ministro Sérgio Moro saiu telefonando para os presidentes da Câmara, do Senado, do STJ e do STF. Para ‘tranquilizá-los’ de que os diálogos hackeados por Wálter Delgatti Neto e sua turma seriam destruídos. Parecia querer angariar a simpatia dessas altas autoridades para o seu desejo de que os diálogos não venham a público. Para outros, teria praticado chantagem implícita com o mundo político e jurídico. O fato é que ele incorreu em contradição com a sua anterior afirmação de que o conteúdo dos diálogos vazados pelo Intercept nada revelariam de impróprio ou ilegal. Imaginando que o acervo do hackeador de Araraquara poderia trazer-lhe desconforto, logo insinuou que iria mandar destruí-los. Mas quem não deve não teme, não é mesmo? Então, por que tanta pressa em querer apagar o material? Além dessa contradição, o ministro também errou ao desconhecer a lei ou pretender ignorá-la no episódio. Ele parece não saber que a decisão sobre o destino das provas é da competência do juiz. Que somente ao juiz cabe decidir sobre eventual destruição. Comporta-se como se a sua elevada popularidade e a importância do cargo que ocupa lhe conferissem poder para tudo fazer. Levou puxões de orelha da PF e do presidente. Dos seus subordinados, mas também do seu chefe. Que logo o corrigiram lembrando que não cabe a um ministro da justiça ordenar a destruição de provas. A lei exige que estejam à disposição das partes e do juiz para fundamentar tanto as suas estratégias como a decisão no processo. Membros do STF e do STJ têm avaliado que Moro também errou quando falou com as altas autoridades sobre os dados da investigação sigilosa da PF. Para entidades do mundo jurídico, como o Instituto Brasileiro de Advocacia Púbica, o ministro teria cometido abuso de autoridade quando abordou autoridades hackeadas e prometeu “descartar” as mensagens obtidas pela Polícia Federal. Mais grave porque a insinuação teria sido feita no seu interesse pessoal.
Por tais razões, o ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República, Mauro Menezes, lembrou na FSP de ontem que o ministro Moro no mínimo acaba de incorrer em desvios éticos. Como ele tem interesse no resultado das investigações dos crimes dos hackers de Araraquara, nelas ele não se poderia imiscuir. Também não poderia comunicar informações de investigações da Polícia Federal que estão sob sigilo. Moro foi vítima dos crimes dos hackeadores. Mas, ao transmitir informações sigilosas, se intrometer na investigação e querer apagar as provas, ele pretende acumular os papéis de vítima, investigador e juiz. Pode ter violado a Lei 12.813/2013. Especificamente os artigos 3º, 4º (“o ocupante de cargo ou emprego no Poder Executivo federal deve agir de modo a prevenir ou a impedir possível conflito de interesses e a resguardar informação privilegiada”), e 5º, I (“configura conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego no âmbito do Poder Executivo federal: I - divulgar ou fazer uso de informação privilegiada”). O ministro também pode ter violado o art. 10 do Código de Conduta da Alta Administração Federal. E, finalmente, pode ter incorrido em crime de improbidade administrativa tipificado na Lei 8.429/1992, cujo artigo 11 dispõe que: “constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: iii - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo.” Resta esperar que todos sejam investigados. Os hackeadores, quem tenha pago pelo material e quem tenha cometido abuso de poderes. O país espera que tanto os métodos quanto o conteúdo sejam bem esclarecidos.
O ministro Henrique Hargreaves, no governo de Itamar Franco, foi acusado de ilegalidades. Seu chefe e amigo afastou-o do ministério até que fossem concluídas as apurações. Quando ele foi inocentado, voltou ao ministério. Talvez o atual presidente pudesse valer-se do exemplo de seu antecessor. Se Moro, ao cabo das apurações, revelar-se inocente, poderia ser reconduzido ao ministério. Aliás, ele auxiliaria muito as investigações se revelasse o conteúdo dos diálogos que travou com os procuradores da Lava Jato. Mais do que revelar sua ânsia pela destruição do material hackeado por Delgatti e sua trupe.

* Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

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