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A criminalidade organizada agradece

Wellington Cabral Saraiva
Procurador Regional da República. Mestre em Direito

Publicado em: 18/07/2019 03:00 Atualizado em: 18/07/2019 09:55

Para choque do mundo jurídico, o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, decidiu em 15 de julho de 2019 suspender, no recurso extraordinário 1.055.941/SP, nada menos do que todas as investigações do país em que o Ministério Público (MP) ou a polícia tenham recebido, da Receita (federal, estadual ou municipal), do Banco Central (BC) ou do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), comunicação de possível crime.

Decidiu a pedido de Flávio Bolsonaro, que tem resistido obstinadamente à investigação do MP do Rio de Janeiro sobre possível lavagem de bens envolvendo a ele e a seu ex-assessor Fabrício Queiroz.

A decisão do ministro é juridicamente insustentável e um verdadeiro presente para a criminalidade organizada e para impunidade de crimes contra os sistemas financeiro e tributário. Para o ministro, haveria dúvida sobre a possibilidade de o MP receber diretamente informações com indícios de crime fiscal ou financeiro de órgãos como o BC, a Receita e o COAF, sem autorização judicial anterior.

Existem normas expressas no direito brasileiro segundo as quais esses órgãos – como qualquer outro órgão público – devem comunicar ao Ministério Público indícios de crime que constatem em sua atuação. Isso é dever de qualquer órgão público e direito de qualquer pessoa. Crimes afetam a sociedade, e é dever constitucional do MP apurá-los, com o importante auxílio das polícias ou por esforço próprio.

Detectar indícios de crime financeiro e comunicá-los ao MP é consequência natural do trabalho do BC e do COAF. O mesmo se aplica aos crimes tributários, no caso da Receita. O próprio STF, quando julgou a validade da Lei Complementar 105/2001, já decidiu que eles podem fazer essas comunicações sem necessidade de autorização judicial.

Esses órgãos lidam com volume gigantesco de dados. Em 2018, só o COAF, por exemplo, recebeu 2,8 milhões de informações, as quais, depois de analisadas, geraram 6.786 relatórios ao MP, até 30/11/2018, mencionando 348.984 pessoas.

Imaginar que antes de cada comunicação dessas o COAF, os órgãos da Receita e o Banco Central precisariam pedir autorização judicial é uma anomalia jurídica sem paralelo em países desenvolvidos. O Poder Judiciário não tem estrutura para lidar nem com o volume de processos comuns, muito menos com o fluxo dinâmico e numeroso dessas notícias-crime.

A decisão do ministro é gravíssima. Na prática, inutiliza o COAF. Paralisa por meses milhares de investigações em todo o país sobre crimes como pedofilia, tráfico internacional de pessoas e de drogas, corrupção, sonegação, desvio de verbas e lavagem de bens. O prejuízo é incomensurável.

Desrespeita decisões anteriores do Plenário do próprio STF. Usa o argumento disparatado de que investigações do Ministério Público precisariam de supervisão judicial, quando esta só é necessária para certas medidas, como prisão e busca e apreensão. Concretamente, o ministro revogou o poder investigatório do MP, que também já havia sido afirmado pelo tribunal pleno.

Contraria todo o sistema nacional e internacional de combate à lavagem de bens. O Brasil entrará na lista de paraísos financeiros do GAFI, organismo internacional que combate a lavagem, se essa decisão desastrosa se mantiver. Seremos uma vergonha internacional? Mais uma vez, a criminalidade e a impunidade agradecem.

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