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Em busca da sobrevivência, Macri deve anunciar pacote econômico

Se depender da reação da economia ao vexame oficialista nas urnas, o presidente da Argentina, Mauricio Macri, precisará de competência e de sorte para responder à mais grave crise de seu governo e tentar garantir a sobrevivência política. Apesar das primeiras medidas anunciadas pelas autoridades, o dólar voltou a subir e fechou o dia cotado a 58,30 pesos argentinos. O risco-país atingiu os 1.759 pontos, o mais alto em uma década. A palavra de ordem da Casa Rosada é “moderação” ante a volatilidade econômica. Depois de desabar 38 pontos percentuais na segunda-feira, o índice Merval da Bolsa de Buenos Aires registrou uma recuperação e encerrou em alta de pouco mais de 10%.

Macri deve anunciar, nesta quarta-feira (14/8), uma série de medidas para tentar resgatar a confiança do mercado. No entanto, o comércio assimilou da pior forma possível a escalada do dólar e repassou aumentos entre 15% e 20% em gôndolas dos supermercados. “Tudo está em estudo, são estímulos para a classe média”, admitiu ao jornal Clarín um ministro que se reuniu com Macri.

Na segunda-feira, o chefe de Estado tinha afirmado que instruiu a equipe econômica do governo para que estude e prepara “todas as medidas necessárias para realmente cuidar dos argentinos”. Algumas das ações previstas são o aumento do rendimento mínimo não tributável e a ampliação de programas para fomentar o consumo.

A União Cívica Radical (UCR), aliada da “Cambiemos” (coalizão política nacional de Macri), acenou, nesta terça-feira (13/8), com a expectativa de medidas concretas e de “sinais políticos” que tranquilizem os cidadãos. Do outro lado, o peronista Alberto Fernández, que encabeça a vitoriosa chapa “Frente de Todos” (com Cristina Kirchner) nas Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias (PASO), revidou as declarações feitas pelo presidente Jair Bolsonaro, na véspera, chamando o brasileiro de “racista” e “misógino”. Fernández também tratou de se distanciar do venezuelano Nicolás Maduro, ao qualificá-lo de “regime autoritário”.

Com a experiência de quem participou de 140 campanhas eleitorais na Argentina e na América Latina, Carlos Fara — especialista em opinião pública e comunicação de governo — critica a postura de Macri depois do fiasco nas PASO. “Após a derrota contundente de domingo, o presidente deveria ter tomado gestos fortes, talvez alguma mudança no gabinete. Parece-me que o choque da derrota o impede de tomar alguma atitude mais incisiva. Manter o status quo custará a recuperação dos votos perdidos durante primárias. Sem reação, Macri deixa de transmitir aos mercados que está em uma posição de lutar”, afirmou ao Correio. Na segunda-feira, o presidente advertiu que o derretimento da economia “é apenas uma mostra do que vai acontecer” se o kirchnerismo vencer as eleições de 27 de outubro.

 
Brasil 
Na noite de segunda-feira, Alberto Fernández respondeu às declarações de Bolsonaro, segundo as quais existe o risco de uma invasão de argentinos no Brasil. “Povo gaúcho, se essa esquerdalha voltar aqui na Argentina, nós poderemos ter, sim, no Rio Grande do Sul, um novo estado de Roraima”, afirmou o brasileiro, ao citar o êxodo de venezuelanos em direção ao norte do Brasil. “Em termos políticos, não tenho nada a ver com Bolsonaro. Celebro enormemente que ele fale mal de mim. É um racista, um misógino, um violento”, disparou Fernández.

“A única coisa que eu pediria ao presidente (Bolsonaro) é que ele deixe Lula em liberdade e que se submeta a eleições com Lula em liberdade. Com Bolsonaro não tenho problema em ter problemas.” O peronista descarta um desgaste nas relações com o Brasil, caso eleito presidente. “Sempre teremos boa relação com o Brasil. O Brasil será sempre nosso principal sócio. Bolsonaro é uma conjuntura da vida do Brasil”, emendou.

Especialista em história da América Latina pela Universidad Nacional de Avellaneda (em Buenos Aires), Atilio Boron admite a hipótese de pico de tensão entre os governos, caso Bolsonaro insista na “campanha intervencionista”. “Não há que dar  importância às palavras dele. Ninguém crê numa torrente de argentinos fugindo até o Rio Grande do Sul por conta do triunfo da chapa ‘Frente de Todos’. Isso é um delírio. A pirotecnia verbal não ajuda a melhorar nossas relações”, afirmou à reportagem. “Espero que Bolsonaro reflita e pense sobre o que disse e, sobretudo, se abstenha de intervir na campanha eleitoral argentina.”

Medidas emergenciais
As principais ações do governo para responder à derrota nas primárias:

Mudanças de gabinete
Macri descartou demissões ou remanejamentos em seu gabinete na Casa Rosada.

Salário mínimo
O governo de Mauricio Macri estuda aumentar o valor do salário mínimo, hoje de 12,5 mil pesos argentinos (cerca de R$ 887). Segundo o jornal La Nación, empresários e sindicalistas debaterão o tema em reunião com Dante Sica, ministro de Produção e Trabalho, dentro de duas semanas. O salário pode subir até 30%.

Reação à subida do dólar
O Banco Central pretende vender reservas e aumentar as taxas de juros para tentar conter a desvalorização do peso.

Aumento de preços
As autoridades começaram a consultar supermercadistas e distribuidoras de combustível para impedir que a crise leve a um aumento significativo de preços.

Apoio às pequenas e médias empresas
O governo estuda abrir linha de empréstimos para pequenas e médias empresas. 
Ponto crítico
 
A derrota do presidente Mauricio Macri nas primárias do último domingo afetaram a governabilidade do país?

SIM

Atilio Boron
“A governabilidade está bastante deteriorada. O presidente Mauricio Macri não apenas perdeu a confiança dos próprios eleitores, mas também de seus amigos que controlam os mercados. Existe uma revolta dos mercados contra a incompetência e a inépcia aberta da equipe econômica da Casa Rosada. Eu não me surpreenderia se Macri tivesse que abandonar a presidência antes do tempo, ainda que provavelmente preferirá manter o cargo até 10 de dezembro. Para isso, exige-se requisitos de governante, que, definitivamente, Macri e sua equipe demonstraram não possuir.”, Eespecialista em história da América Latina pela Universidad Nacional de Avellaneda em Buenos Aires.

NÃO

Carlos Fara
“Não há espaço na sociedade, nem nos principais atores políticos, empresariais e midiáticos. No entanto, é certo que o governo Macri tem de dar demonstrações fortes, a fim de mostrar que pode encarar a transição rumo a alguma possibilidade de recuperação. Tenho a impressão de que Macri tomará algumas medidas que transcendem o encorajamento ao consumo, como juros mais suaves. Isso provavelmente não surtirá muito efeito a curto prazo. Parece-me que o governo seguirá tentando reduzir o  impacto das 
balas que lhe restam.”, especialista em opinião pública e comunicação de governo. Participou 140 campanhas eleitorais na Argentina e na América Latina.

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