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COMPROMISSO

O que muda no Afeganistão com compromisso talibã de respeitar direitos das mulheres?

Por: AFP

Publicado em: 09/07/2019 14:52

Foto: Karim Jaafar/AFP
O compromisso assinado pelos talibãs para respeitar os direitos das mulheres pode parecer uma conquista, mas os ativistas se perguntam como os islamitas radicais vão interpretar o texto.

Talibãs e representantes da sociedade afegã, inclusive algumas mulheres, se reuniram durante dois dias em Doha em um encontro histórico, ao final do qual publicaram uma declaração conjunta.

Comprometeram-se a traçar um "mapa do caminho para a paz", baseado no lançamento de um processo de paz monitorado.

Os participantes acordaram que "garantir os direitos das mulheres nos assuntos políticos, sociais, econômicos, educativos e culturais de acordo com e dentro do marco islâmico de valores" é vital para uma paz duradoura.

Os observadores advertem que a promessa está aberta a amplas interpretações, dependendo de quem define os valores do Islã.

Durante seu período no poder no Afeganistão (1996-2001), os talibãs provocaram indignação mundial por suas práticas brutais, especialmente contra as mulheres, que incluíam apedrejamentos, homicídios de honra, a obrigação de usar burca em público e a proibição do acesso à educação.

"Durante o período talibã, nossos direitos foram completamente respeitados no 'âmbito dos valores islâmicos'", ironizou no Twitter a afegã Wazhma Frogh, ativista dos direitos das mulheres.

"Que sucesso na reunião de Doha: um passo atrás!", reagiu com indignação.

Manizha Qurban, uma usuária afegã do Facebook, pediu que a interpretação dos valores islâmicos não fique nas mãos de "algumas pessoas ignorantes".

Neste caso, "será um pesadelo, sobretudo para as mulheres. Deveríamos convidar especialistas de outros países islâmicos para que interpretem os valores por nós", escreveu.

A preocupação e a confusão são ainda maiores, já que só as versões em inglês e farsi dari da resolução conjunta incluem a referência aos direitos das mulheres. Uma versão do texto, publicada em pachto, idioma falado pelos talibãs, não o menciona.

O comunicado foi publicado ao final de dois dias de reuniões co-organizadas pela Alemanha e pelo Catar, das quais participaram uns 70 delegados afegãos.

Este encontro coincidiu com a vontade dos Estados Unidos em obter um acordo de paz com os insurgentes para se retirar do Afeganistão depois de 18 anos de intervenção militar, a guerra mais longa de sua história.

'Clássica retórica talibã' 

Os talibãs insistem em que vão garantir os direitos das mulheres, mas sempre incluem a advertência de que estes serão definidos segundo os valores do Islã.

Em algumas regiões do país, atualmente sob influência dos talibãs - cerca da metade do território afegão -, os moradores constataram pequenas mudanças.

Os talibãs permitem agora que as meninas frequentem o ensino fundamental, mas as mantêm separadas dos meninos e determinam seu currículo escolar.

No entanto, os flagelos e os apedrejamentos das mulheres, assim como os crimes de honra (quando uma mulher é acusada de causar a desonra em sua casa) continuam sendo frequentes.

"Por favor [...] não deixem os talibãs interpretar os princípios islâmicos para as mulheres outra vez. [Estes] para eles significam bater e encarcerar as mulheres", escreveu uma usuária no Facebook, Samira Samim.

Heather Barr, encarregada do Human Rights Watch, destaca que parece positivo que as palavras "direitos das mulheres" estejam mencionadas no texto.

"Mas esta linguagem sobre os direitos das mulheres no marco islâmico é a clássica retórica talibã", declarou à AFP.

Os talibãs "se opõem fundamentalmente à igualdade de gênero. Assim, as mulheres afegãs na mesa de negociações sabem que travam a luta da sua vida, enquanto tentam preservar a promessa de igualdade de gênero que consta na Constituição" afegã, disse Barr. 

Em maio, o porta-voz dos talibãs, Suhail Shaheen, assegurou: "não temos nenhum problema" com os direitos das mulheres baseados nos valores islâmicos.

"Temos culturas e valores diferentes. Nossos valores, os valores afegãos, são diferentes dos valores ocidentais", declarou à AFP.
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