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Quebra-cabeça

Laboratório iraquiano investiga os crimes do EI contra os yazidis

Por: AFP

Publicado em: 14/07/2019 14:01 | Atualizado em: 14/07/2019 14:04

Foto: AFP / LOUISA GOULIAMAKI

Seis gotas de sangue em um papel e um frasco com pó de osso são os poucos elementos com os quais um laboratório forense iraquiano tenta esclarecer as atrocidades cometidas pelo grupo Estado Islâmico (EI) contra os yazidis.

"É como um quebra-cabeça", diz o especialista forense Mohamad Ihsan, enquanto segura ossos amarelados sob luzes fluorescentes no Diretório Médico-Legal, no leste de Bagdá.

Os ossos, recentemente exumados de valas comuns do reduto yazidi de Sinjar, no noroeste do Iraque, serão comparados a amostras de sangue de sobreviventes da comunidade para ajudar a elucidar o destino dos desaparecidos após a ofensiva do EI em 2014.

- Possível genocídio -
Cinco anos após a ascensão jihadista, mais de 3.000 yazidis, seguidores de uma religião esotérica e de língua curda, ainda estão desaparecidos. Centenas de homens foram assassinados, crianças foram recrutadas como soldados e mulheres e meninas foram transformadas em "escravas sexuais".

A Organização das Nações Unidas (ONU), que acredita que esses eventos podem ser constitutivos de genocídio, conduz uma investigação criminal conjunta com o Iraque para fornecer a essa minoria traumatizada uma conclusão legal e emocional a tanto sofrimento.

Desde março, o laboratório de Ihsan recebeu ossos, cabelos e pertences de 12 valas comuns em Sinjar.

"Nossos especialistas em traumatologia determinam a causa da morte, as fraturas e lesões", disse o médico à AFP. 

Mas a investigação tem sido dificultada pelo estado das evidências e pela dificuldade de identificar o DNA em uma comunidade onde casamentos endogâmicos são a norma.

- "Famílias liquidadas" -
Encontrar vestígios de DNA em restos expostos à chuva, fogo e combates por anos é uma proeza, explica a analista genética Mais Nabil.

"Às vezes recebemos amostras muito deterioradas. Só conseguimos extrair o DNA algumas vezes", disse Nabil à AFP. 

Quando, apesar de tudo, conseguem isolar o DNA, a identificação começa, um trabalho meticuloso em uma comunidade que antes de 2014 tinha mais de 550.000 membros. A ofensiva do EI forçou cerca de 100 mil a fugir para o exterior e levou muitos mais para os campos de deslocados.

"Há famílias que foram totalmente liquidadas. Nesses casos não há ninguém que possa registrar o nome dos desaparecidos", aponta Amer Hamud, diretor associado do centro.

O laboratório registrou os nomes de 1.280 pessoas desaparecidas e tem 1.050 amostras de sangue, enquanto espera que as autoridades curdas enviem outras 2.600 amostras.

Mas a chave está no exterior.

"Na Alemanha, existem 2.200 famílias yazidis que espero contatar para obter amostras de DNA. Na Austrália existem 800 famílias, 800 no Canadá e quase 150 na França. Esta lista pode ser maior do que as amostras que temos no Iraque", diz Hamud.

"Nunca ficaremos tranquilos"
Em seu laboratório, com apenas 10 anos de história, Hamud analisa vítimas de décadas de violência no Iraque.

As caixas de papelão que guardam as provas de Sinjar estão rodeadas por outras etiquetadas como "Anfal", "Karrada" e "Basra", em referência, respectivamente, a um massacre de curdos na década de 1980, a uma explosão em Bagdá em 2016 e a uma província afetada pela guerra Irã-Iraque na década de 1980.

"Temos anos de experiência na identificação de vítimas. Mas para minimizar a margem de erro, precisamos de tempo", diz Hamud.

O trabalho de exumação e identificação é apoiado pelo escritório de Investigação Especial da ONU para os Crimes do EI (UNITAD), que recolhe provas e testemunhas em caso de possíveis julgamentos em "tribunais nacionais".

Esses julgamentos podem levar anos, mas Bashar Hamad, de 51 anos, está desesperado para saber o que aconteceu com seu irmão Nawaf e cinco outros parentes que ele viu pela última vez em 2014.

Hamad contribuiu com amostras de sangue para as autoridades no ano passado, na esperança de que isso ajudasse a determinar o destino de seus parentes desaparecidos, embora, em sua opinião, haja poucas chances de estarem vivos.

"O EI acabou" e nos campos que abrigam as famílias de seu último reduto na Síria "há apenas mulheres e crianças, não há homens", diz ele.

"Nunca ficaremos tranquilos. Enquanto essas memórias durarem e o mundo nos fechar suas portas, não ficaremos tranquilos", assegurou Hamad à AFP.
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