Reconhecida como palco de um seleto clube de grifes icônicas e suas criações mais exclusivas, a Semana de Alta-Costura de Paris reuniu o crème de la crème da moda internacional: até o último dia 5, selos como Chanel, Armani, Gaultier e Dior cruzaram as passarelas francesas com tendências – e mensagens – para as próximas estações. A autorreferência ao preciosismo da alta-costura, uma das principais bandeiras hasteadas na temporada, coube especialmente à performance da Dior: o minucioso trabalho por trás de cada peça de alta-costura serviu como pano de fundo para coleção discreta e sóbria.
Para o desfile, a italiana Maria Grazia Chiuri imaginou o Museu Rodin como um ateliê de costura, lançando luz sobre as etapas de criação de cada peça, que chegam a somar até duas mil horas de trabalho manual. Vestidos monocromáticos, tons pastéis e modelagens plissadas protagonizaram a coleção, complementados por acessórios como cintos, boinas e colares de tecido com pérolas suspensas.
“Hoje se acredita que a única coisa que tem valor é o que é visível na foto. E a alta-costura, por ser cara, parece que tem que ser visível”, disse Chiuri em entrevista à AFP. “Há algo que é invisível e é muito caro: é o toque humano, são as horas de trabalho, os acabamentos...”, finalizou a estilista, que está à frente da direção artística da Dior desde meados de 2016 e tem marcado seus últimos desfiles com discurso feminista. Sua nova missão parece ser a de educar as novas gerações, conectadas à extravagância e à busca por likes nas redes sociais, sobre o valor da confecção, do trabalho e da atenção humanos. “O público da alta-costura não passa seu tempo no Instagram”, ela disse. Em declarações à imprensa, Chiuri acrescentou que novos estilistas podem aparecer, bem como novos clientes para a alta-costura, se os jovens forem sensibilizados pelo segmento.
Entre os espectadores, a atriz espanhola Penélope Cruz, nova embaixadora da marca, conforme anunciado pela grife no último dia 3. O estilista octogenário, grande erudito, que segundo estimativas possui mais de 300 mil títulos em sua coleção pessoal de livros, reproduziu também a elegante sede da Academia Francesa, órgão guardião da língua de Molière. Nesse contexto, veio à luz uma coleção marcada por forte presença do cinza, mangas amplas até os cotovelos, zíperes, mãos e braços cobertos por luvas de couro e saias com fendas laterais - deixando entrever anáguas do mesmo tecido e cor. A Chanel propôs, ainda, saias luxuosas, cinturas marcadas e botas de cano curto. O tradicional vestido de noiva da grife surgiu composto por duas peças em tom verde-azulado, bordado com folhas de oliveira, em referência ao traje dos Imortais da Academia Francesa.
Modelos desfilaram com cachimbos e cigarros eletrônicos, sendo também foram representados os que lutam contra o fumo, com a frase “no smoking” estampada em suéter de pele e numa máscara. A inspiração foi clara: “A liberdade que deveríamos ter de poder fumar ou não”, disse o estilista em entrevista à AFP. “Vivemos em um mundo muito politicamente correto”, acrescentou. Gaultier também passeou sobre o polêmico território dos “mamilos livres” - campanha representada na internet pela hashtag #freethenipple – e fez alusão ao escândalo ocorrido num colégio da Flórida, nos Estados Unidos, onde uma jovem foi obrigada pela direção do centro de ensino a cobrir seus mamilos com adesivos por não usar sutiã. “Os homens têm direito a mostrar seu tórax nu. Por que as mulheres não têm?”, questionou o francês.