Moda

Renda ganha as passarelas e fortalece moda artesanal

Trabalhos manuais como a renda Renascença, o labirinto e o bordado richelieu ganham as passarelas e ressignificam o artesanato nordestino através de releituras arrojadas

Trabalhos manuais são tendência forte para o futuro da moda, sendo cada vez mais celebrados nas passarelas. Foto: Nicolas Gondim/Divulgação

Considerada a maior semana de moda autoral da América Latina, o mais recente Dragão Fashion - realizado no último mês, em Fortaleza (CE) – sinalizou valorização da renda nordestina para as próximas temporadas, dando protagonismo ao trabalho manual e à sua relevância para a cultura da região. Nos bastidores da moda engajada com conjunturas políticas e sociais da atualidade, fatores como o empoderamento das mulheres rendeiras, a busca por dinâmicas de produção sustentáveis e o crescente interesse pelo slow fashion (moda consciente) têm ajudado a conduzir a renda ao centro dos holofotes. Marcas como a cearense Rendá, da estilista Camila Arraes, e sua conterrânea Almerinda Maria têm estendido a admiração pela costura nordestina a todo o país, enquanto o preciosismo das roupas feitas à mão ganha condecoração internacional.

Tecidos e cores tiveram por intuito transmitir "sensações daquilo que não podemos tocar, apenas sentir", segundo nota sobre os lançamentos de Almerinda Maria. Foto: Nicolas Gondim/Divulgação

A ponderação tem sido reverberada há alguns anos por especialistas e criadores do circuito internacional da moda, mas parece mais robusta a cada dia. A conscientização política em torno do consumo de roupas e acessórios – incentivada em documentários atuais de sucesso, como The true cost (2015), que destrincha os impactos ambientais e humanos da indústria fashion – contribui para “girar a chave” no segmento e ressignificar a produção artesanal.

Transparência e fluidez enriqueceram composições da cearense Almerinda Maria, cujo trabalho com rendas teve início nos anos 1980. Fotos: Roberta Braga/Divulgação

A estilista Almerinda Maria, por sua vez, uniu renda Renascença, bordado richelieu  e labirinto a tecidos nobres, como linho e seda pura, na coleção Renda-se à bossa. Uma ode à manufatura e suas variadas técnicas, a performance foi embalada por jazz e bossa nova - movimento musical que inspirou a estilista no processo de criação. As composições da estilista, cuja experiência com a renda teve início nos anos 1980, fugiram ao óbvio e lançaram luz sobre a inventividade – entre decotes, golas estruturadas, amarrações e transparências - enquanto resposta contemporânea para o handmade. 

Bossa nova e samba foram inspirações para a coleção Renda-se à bossa, assinada por Almerinda Maria. Fotos: Roberta Braga/Divulgação

A coleção A(mar) agrega renda nordestina e renda belga. Como se deu essa junção?
A nossa principal matéria-prima é a renda renascença, que é a renda feita no interior da região Nordeste como um todo. Nas nossas pesquisas durante esse percurso, descobrimos na Bélgica, numa cidade também pequenininha, um processo de fazer renda parecidíssimo com o da renda Renascença. É manual também, desenhado no papel, depois preenchido ponto a ponto. É claro que a gente só faltou enlouquecer com essa descoberta. E trouxemos algumas peças da coleção mixadas entre nossa renda nordestina e a renda belga. Sempre enaltecendo a nossa produção, a criação local, mas fazendo essa associação. 

E como você vê, no futuro da moda, o posicionamento das técnicas artesanais, das roupas feitas à mão?
Se depender da gente, de estilistas nordestinos voltados à valorização da manufatura, esse tipo de trabalho será perpetuado e cada vez mais valorizado. Estamos numa crescente. O trabalho das rendeiras, hoje, recebe um olhar até mais cuidadoso da parte dos empresários, do mercado. O artesanato não é mais visto como aquela matéria-prima baratíssima. É um trabalho cada vez mais qualificado e cada vez mais valorizado. E a gente está ganhando com isso, abrindo portas no Brasil todo. Antes, a renda era muito arraigada aqui no Nordeste. Hoje, saindo com uma peça feita à mão por todo o país, fora do nosso circuito, as pessoas enlouquecem. Elas já têm um outro olhar, um olhar de valorização, para o que é feito à mão. 

Para a coleção (A)mar, a Rendá explorou as ondas e poesia dos mares nordestinos. Fotos: Roberta Braga/Divulgação

A estilista Camila Arraes, da Rendá, cruzou técnicas nordestinas e belgas para produzir as novas peças. Foto: Nicolas Gondim/Divulgação

Renda Renascença: com origem na Itália do século 16, a renda Renascença foi trazida ao Brasil pelos portugueses e prosperou na região Nordeste do país. Feita à mão, é reconhecida pelos desenhos concêntricos, pontos e entrelaçados delicados - tradicionalmente produzidos em tecido branco.

Bordado richelieu: também criado na Itália, entre os séculos 14 e 16, se disseminou pelas mãos de freiras católicas e teve seu nome inspirado no Cardeal Richelieu, que integrava a corte francesa e chegou a criar oficinas para preparo do bordado. O richelieu é bordado com linha branca sobre recortes em tecidos leves, como o linho Panamá.

Renda labirinto: trazido ao Brasil por comunidades portuguesas do século 17, o labirinto consiste na confecção de gravuras pelo entrelace de fios. Também conhecido como crivo labirinto, é confeccionado a partir de tecidos finos, especialmente o linho.

Além da tradicional renda branca, tons de salmão e terrosos dão novo frescor à técnica. Foto: Nicolas Gondim/Divulgação

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