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Netos de agricultores quebram tradições familiares e ingressam em universidades públicas

Em Macaparana, Zona da Mata, as novas gerações têm rompido com as tradições profissionais voltadas para a cana-de-açúcar devido ao acesso facilitado à educação, com investimentos descentralizados no ensino médio de referência

A estudante Acsa Mendes foi a primeira pessoa da família a ingressar em uma universidade pública. Foto: Rafael Martins/Estúdio DP

Nem sempre ter força de vontade para superar os obstáculos socioeconômicos é o suficiente para alcançar um grande sonho. É necessário aliar força de vontade ao acesso a uma educação de qualidade e pessoas que acreditam e apoiam quem deseja mudar de vida. E disso a estudante Acsa Mendes, de 18 anos, sabe bem. Escolheu para si, logo nos primeiros anos de vida, a medicina como profissão. Por ter crescido dentro de um contexto social diferente, no qual a educação para pessoas de baixa renda era algo raro, seu pai, Paulo Mendes, acreditava que ela poderia se frustrar com o sonho alto. “Sou nascido e crescido em Macaparana, filho de agricultor e de mãe merendeira. E a história nesse lugar é a seguinte: as pessoas que têm a oportunidade para fazer o curso de medicina são as ricas. Você não vê pobre com história de que se formou médico”. 

O caminho para que Acsa conquistasse uma vaga na universidade pública, no curso de medicina, foi lapidado a muitas mãos. Ganhou força na Escola de Referência de Ensino Médio Professora Benedita de Morais Guerra, em Macaparana, a cerca de 85 quilômetros do Recife, onde cerca de 80% do total de 350 estudantes matriculados anualmente alcançam o ensino superior. A educação de qualidade nunca esteve tão acessível como hoje no município. Graças à descentralização de investimentos do governo do estado no Ensino Médio de Referência (EREM), diversos jovens têm rompido com tradições profissionais, voltadas massivamente para o cultivo da cana-de-açúcar, uma das principais atividades econômicas da região desde a fundação de Macaparana, por volta de 1930. Ao todo, em Pernambuco, foram criadas cerca de 300 EREMs, distribuídas entre as regiões do Agreste, Zona da Mata, Litoral e Sertão. 

As razões do número elevado de estudantes da mesma escola de Acsa ingressando no ensino superior se concentram em dois pilares principais, segundo a gestora da instituição, Laudicea Farias: foco na infraestrutura e no capital humano. Devido ao investimento de R$ 4 milhões do governo do estado em 2015, a Escola Professora Benedita de Morais Guerra ganhou um novo endereço. Antes da mudança, os estudantes e profissionais dividiam poucos metros quadrados em um prédio cedido pela prefeitura desde a fundação da escola, em 2009. “Não posso negar que quando nos mudamos para escola nova, a qualidade das aulas mudou muito. Pela falta de laboratório, alguns experimentos não podiam ser realizados”, comenta Acsa, que nas primeiras aulas do ensino superior entrou em contato com o laboratório de química da faculdade, já familiarizada com os equipamentos que conhecia graças às aulas práticas no EREM. 

Com uma população de aproximadamente 25 mil habitantes, Macaparana mantinha há poucos anos uma forte tradição: estudantes que conseguiam concluir o ensino médio regular eram destinados para o comércio local e os demais para atividades braçais, como a colheita de cana-de-açúcar e cultivo de banana, de acordo com a diretora da EREM, Laudiceia Farias. Não era incomum, por exemplo, que o pensamento sustentado pelo pai de Acsa se estendesse a mais pessoas da localidade. “A escola trabalha para mostrar que o filho do canavieiro e o filho da pessoa mais rica do município podem, igualmente, ser o que quiserem. Seja advogado, médico, professor. Damos a mesma condição a todos, acreditando no sonho deles, ainda que eles mesmos não acreditem que possam chegar lá”, comenta, acrescentando que existem professores que matricularam os próprios filhos na instituição, o que para ela comprova a qualidade das aulas e o compromisso com os estudantes.

Daniel Ferreira e Leila Araújo são professores responsáveis pela criação do laboratório de filosofia e literatura, respectivamente. Foto: Rafael Martins/Estúdio DP

Segundo Daniel, os temas surgem de acordo com a demanda da comunidade. Certo dia, uma aluna da escola foi agredida pelo companheiro. Para evitar que isso acontecesse a outras estudantes, ela disse ao professor que queria discutir o assunto no espaço do Café Filosófico. A partir desse trabalho, a escola mostra outras formas de pensar assuntos do cotidiano e ajuda os macaparanenses a conhecerem mais sobre política, história e questões de gênero, com saberes construídos de forma coletiva. 

Breno tenta aproveitar todos os espaços e atividades oferecidas pela EREM em que estuda. Foto: Rafael Martins/Estúdio DP


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