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Mulheres vítimas de violência no Agreste ganham sala especial de acolhimento

A sala da 18ª seccional de Garanhuns dá conforto e tranquilidade para vítimas de mais de 15 municípios

Camila foi vítima de agressões do marido por mais de uma década. Crédito: Rafael Martins/Estúdio DP

Foram dez anos e uma sequência de agressões físicas e verbais até Camila*, hoje com 34 anos, decidir denunciar o marido à polícia. Era mais um dia no qual ele chegava bêbado em casa, na cidade de Garanhuns, Agreste pernambucano, e a ameaçava. Desta vez, porém, com um adendo: além de sufocá-la com as próprias mãos, ele tentou agredir a filha mais velha da mulher. “Pensei ‘já chega’, peguei meus dois filhos e fui embora”, lembra. Depois de uma década de opressão, o sentimento de sair de casa não foi de liberdade, foi de medo e solidão. A dona de casa tinha mais um difícil obstáculo pela frente: sem amparo ou família além dos filhos (uma adolescente e uma criança de cinco anos) precisava registrar uma denúncia contra o homem que pagava o aluguel e a comida. 

“Cheguei na secretaria da mulher muito nervosa. Acalmaram-me e me levaram para a delegacia. Falei com a responsável, enquanto ele passou o tempo todo do lado de fora me ameaçando”, lembra Camila. O acolhimento na hora de uma denúncia de violência doméstica pode parecer só um detalhe em meio à gravidade da situação, mas pode ser fator decisivo para motivar ou impedir a vítima a seguir com a denúncia.

A delegacia da mulher, especializada neste tipo de atendimento, funciona em horário comercial, de segunda à sexta-feira. Logo, quando os casos de violência deste tipo acontecem no fim de semana, são levados à 18ª Delegacia Seccional de Garanhuns, que atende a mais de 15 municípios da região em regime de plantão. Ali, para evitar que vítimas de violências tão profundas tenham contato com seus algozes, um espaço voltado apenas para mulheres foi criado.

Espaço conta com informativos e brinquedoteca para as crianças. Crédito: Rafael Martins/Estúdio DP

O ambiente acolhedor destoa das outras salas da delegacia, com espaço repleto de informativos e até mesmo com brinquedos para crianças, como o filho de Camila, brincarem. "A sala para recepcionar as ocorrências do plantão não estava atendendo aos nossos anseios com relação ao atendimento à mulher porque os supostos agressores ficavam encarando, intimidando, constrangendo, muitas vezes em estado de embriaguez", explica o delegado da seccional de Garanhuns, Luiz Bernardo.

Esse isolamento serve não só para uma proteção a curto prazo, mas, como explica a psicóloga e secretária da mulher de Garanhuns, Walkíria Ferreira, para garantir que a mulher não volte atrás na hora da denúncia. “Muitas vezes uma ocorrência demora a ser atendida. Imagine uma mulher esperando por cinco horas junto ao agressor? Basta um olhar de ameaça para que ela desista ou fique com vergonha, já que todo mundo ali escuta, todo mundo sabe, é algo constrangedor", destaca a psicóloga. "O resguardo é necessário tanto para ela se sentir segura quanto para ver que aquele espaço foi pensado para ela, com uma atenção diferenciada, reduzindo o número de desistências”. 

Delegado explica que, antes, os agressores ficavam encarando e intimidando as vítimas. Crédito: Rafael Martins/Estúdio DP

Casos como o de Camila são comuns nas estatísticas de violência em todo o Brasil. “A mulher costuma fazer essa denúncia ou quando começa a acreditar que vai morrer ou quando a violência que sofre se estende para outros familiares. Isso demora em média de cinco a dez anos para acontecer”, explica Walkíria. Após quatro boletins de ocorrência e acolhimento em local adequado, o ex-marido de Camila foi preso. Os passos para a tão sonhada liberdade, agora assistidos pela secretaria, vêm com a tranquilidade de quem esperou por tanto tempo.

Após uma vida congelada por mais de dez anos, ela compra materiais escolares para começar o ensino médio. Não pensa muito no que vai ser depois da escola, seja pelo costume de dar um passo de cada vez ou por ainda desconfiar do que o futuro a guarda. Daqui para frente, tem apenas uma certeza: vai terminar a escola no mesmo momento em que a filha. “Vamos ficar em turmas diferentes porque vou estudar de noite e ela de dia, mas vou ser um exemplo para ela”, comenta.

A sala da 18ª seccional de Garanhuns acolhe vítimas de municípios de todo o Agreste Meridional: Águas Belas, Angelim, Bom Conselho, Brejão, Buíque, Caetés, Calçado, Canhotinho, Capoeiras, Correntes, Garanhuns, Iati, Itaíba, Jucatí, Jupi, Jurema, Lagoa do Ouro, Lajedo, Palmeirina, Paranatama, Pedra, Saloá, São João, Terezinha, Tupanatinga, Venturosa.

*Nome fictício para preservar a identidade da vítima

Leia a notícia no Diario de Pernambuco
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