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Centro de triagem muda cotidiano de trabalho de catadores em Barreiros

Instalação de unidades de triagem e recicladoras, implantação de coleta seletiva e capacitação de catadores dinamizaram trabalho em 11 municípios da Zona da Mata

Antes de se integrar à cooperativa de coleta, João Bosco trabalhava mais de 15 horas por dia cortando cana. Foto: Rafael Martins/DP

Há alguns anos, catadores de lixo do município de Barreiros, na Mata Sul pernambucana, trabalhavam em completa informalidade: construíam barracos nos arredores dos lixões, onde recolhiam papelão, metal e derivados de plástico durante as primeiras horas da manhã, vários deles desperdiçando o restante do dia com o consumo desenfreado de bebida alcoólica. Em situação precária, alguns chegavam a se afastar da coleta por até duas semanas, enfraquecidos pelo vício. A situação mudou drasticamente em 2016, quando foi inaugurado o centro de triagem da região, onde os catadores têm horários fixos para a coleta de lixo e precisam custear o abastecimento de água e eletricidade do galpão. As responsabilidades puseram freio nos vícios, beneficiando a saúde dos catadores e a economia da região.

“Ainda sobra tempo para fazer 'bicos' entre uma coleta e outra. Cada um tem uma carroça e cobre uma área diferente da cidade, mas todo mundo se ajuda na arrecadação. Com o lucro, temos de pagar o óleo da prensa e as contas de água e luz”, explica João Bosco Santiago, 45 anos, catador há três. Crescido entre os canaviais da Zona da Mata do estado, João viu na função de catador a chance de trazer certo alívio à rotina: antes de se integrar à cooperativa de coleta, trabalhava mais de 15 horas por dia cortando cana. “Saía de casa às 3h da madrugada, voltava depois das 21h. Era um trabalho muito duro, não sobrava tempo, nem condição de fazer mais nada”, lembra João, um dos oito catadores ativos entre os cadastrados no centro de triagem. Para quitar os débitos fixos, ele e os colegas coletam e prensam cerca 300 Kg de papelão por dia – cada quilo vendido sai a R$ 0,17. 

Os irmãos Josemir e Izaquiel, junto com João, reforçam a ideia que na cooperativa todos se ajudam na arrecadaçã. Foto: Rafael Martins/DP

O trabalho em equipe e os compromissos fixos têm reduzido a insalubridade da rotina, ainda pesada. “O que mais tem na rua é papelão, é o que mais catamos. A dificuldade ainda é tirar o sustento todo do lixo, não dá, não temos nenhuma bolsa para ajudar… mas tem o galpão, as carroças, a gente se ajuda”, conta Josemir Guedes da Silva, 37, que cata lixo desde a infância junto com o irmão, Izaquiel Guedes da Silva, 30. Jamais trabalharam com outra coisa. Em 2014, quando o lixão da cidade foi fechado, primeiro passo para a formalização da coleta em Barreiros, Josemir e Izaquiel não souberam o que fazer: a decisão parecia dar cabo da única atividade remunerada que eles dominavam. 

Era uma fase de transição. Os irmãos e outras dez famílias de catadores tiveram suporte do poder público enquanto era articulado o programa Recicla-PE, implementado em 11 municípios do estado e dedicado a melhorar a gestão de resíduos sólidos em Pernambuco. Os catadores barreirenses receberam cestas básicas e auxílio financeiro enquanto participavam, até o fim de 2015, de processo de capacitação. “A questão da bebida alcoólica, das responsabilidades, dos horários, além da coleta em si foram alguns tópicos melhorados durante o curso”, explica o artesão e professor Egnaldo José Alves da Silva, 50, conhecido como Bili, primeiro a assumir a presidência do centro de triagem. 

Ex-presidente Bili garante que a assiduidade dos catadores aumentou, os problemas com a bebida diminuíram e o desarranjo dos resíduos da cidade foi contido. Foto: Rafael Martins/DP

“Além da nossa coleta, o caminhão da prefeitura limpa as ruas e tira quase todo o lixo”, explica Josemir Guedes. Apesar de reconhecer os benefícios da coleta seletiva pública para a gestão de dejetos, ele confessa que preferiria ter maiores quantidades de lixo para garimpar – o que representaria maior faturamento para os catadores. A única proporção possível, contudo, espanta: são oito catadores ativos no centro de triagem e mais 40 mil habitantes em Barreiros, segundo estimativas do IBGE. Hoje, cada um deles coleta, em média, uma tonelada de lixo por mês, faturando entre R$ 200 e R$ 600. “Alguns guerreiros chegam a coletar cinco toneladas, fazendo acordo com supermercados e recebendo o descarte diretamente dos comerciantes”, conta Bili. 

No centro de triagem da cidade, os catadores têm horários fixos para a coleta de lixo e precisam custear o abastecimento de água e eletricidade. Foto: Rafael Martins/DP

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