Com um bebê nos braços e demandas que não podem esperar, a rotina de uma mãe que teria que enfrentar dois, três agendamentos médicos a 270 km de casa passaria longe de fácil. A via-crúcis foi percorrida por alguns meses por Rafaela Maria Coelho Araújo, de 22 anos, a primeira mulher a descobrir ter tido uma criança com microcefalia no município de Araripina, no Sertão do Araripe, a 681 km do Recife. Sem estrutura hospitalar, passou a levar Maria Luiza, hoje com 1 ano e 7 meses, do pequeno distrito de Gergelim às unidades de saúde de Petrolina, no Vale do São Francisco, uma viagem sistemática de 3 horas e meia, que ainda depende da qualidade dos transportes públicos municipais de assistência à saúde. Não é de se estranhar que a agricultora seja uma das entusiastas da Unidade de Pronto Atendimento Especializado (UPAE) recém-inaugurada no município de Ouricuri, uma viagem que passou a ser feita às terças e quintas dentro de 55 minutos, a uma distância de 60 km.
No local, Luiza recebe acompanhamento de fonoaudiólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e é submetida a exames diversos. “Eu tinha medo até de segurar minha filha para tomar vacina. Hoje, já levo a vida normalmente. O que vier eu encaro”, conta Rafaela, sempre acompanhada de outras mães de Araripina que também “migram” regularmente à cidade em busca do estímulo necessário das crianças afetadas pelo surto de microcefalia que atingiu Pernambuco entre 2015 e 2016 – associado ao zika vírus, que compromete o desenvolvimento total do tamanho do cérebro dos bebês ainda em formação nos úteros.
Camila Alves, 29, e Maria do Socorro Nobre, 23, entendem bem que responsabilidade é essa. Mães de Maria Ester, 1 ano e 5 meses, e Eriel Nobre Alencar, de 1 ano e 7 meses, elas completam o grupo de Araripina que cobram do poder público melhoria do atendimento e presença de médicos especialistas para seus rebentos, ambos com microcefalia. O pedido agora é por ortopedista mais próximo. Tudo pensando na abordagem holística de suas crianças.
Diferentemente das mães de primeira viagem, Rafaela, de um pioneirismo que qualquer mãe dispensaria ostentar, vai seguindo no trio, sempre duas vezes por semana, de Araripina a Ouricuri. Se preocupa com a filha mais velha, de cinco anos, e repete o que muitos pais se acostumaram a admitir: “Não estava tendo tanto tempo para a outra. Acaba que o amor com uma criança especial você acaba vendo que fica até maior, por causa do cuidado. Já pensei que não era capaz, mas sei que dou meu melhor a ela”. E elas vão seguindo assim – visão e corações maiores que quaisquer desafios.
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