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Da mata pernambucana ao berço hispânico: o menino que abraçou a Espanha

Estudante, Luis Gustavo, de Itambé, na Mata Norte, é um dos maiores defensores do estudo da língua espanhola frente à inglesa, após experiência de intercâmbio pela rede pública de ensino

Luís Gustavo cruzou o oceano rumo à Espanha. Antes disso, a maior viagem tinha sido ao Recife, distante pouco mais de 87 Km de Itambé. Foto: Rafael Martins/DP

Da pequena Itambé, na Mata Norte de Pernambuco, Luís Gustavo Moreira Abreu, em seus 16 anos de vida, tinha ido no máximo à capital, Recife, ou a João Pessoa, na Paraíba. Enquanto organizava as malas antes de cruzar um oceano pela primeira vez, foi paralisado por uma crise de nervosismo forte e precisou ser “acudido” pela avó – já ocupada em disfarçar a própria preocupação. O menino nascido em Timbaúba passou meses frequentando normalmente as aulas no 3° ano do Ensino Médio e foi na véspera da viagem a Jerez de La Fronteira, na Espanha, que a noção de distância entre Pernambuco e o destino final se fez.

Era setembro de 2016 e ele trocaria a Escola de Referência em Ensino Médio Frei Orlando pela Europa, num intercâmbio promovido pelo Programa Ganhe o Mundo, que leva mais de mil alunos da rede pública de ensino ao exterior todos os anos. Seria o primeiro carimbo em seu passaporte. “Nunca havia imaginado cruzar o oceano. Entrei em desespero no dia anterior e pensei em desistir. Só não fiz isso porque me preocupava com o que os outros iriam dizer de mim, aqueles que envolvi no processo seletivo, meus avós, minha mãe, os professores, colegas…”, lembra o garoto.

O garoto ficou inseguro quando o embarque se aproximava, mas voltou da experiência mais maduro, segundo atesta Vânia Batista Barros, coordenadora da escola. Foto: Rafael Martins/DP

Hoje fluente em conversação na língua hispânica, usa a experiência no Velho Continente para estimular o percurso de outros alunos da escola, hoje com 405 estudantes. “Existe um certo preconceito no interior do estado em relação ao espanhol. As pessoas acham que só vale a pena o intercâmbio para aprender inglês, o que não é verdade. A língua e cultura espanholas são riquíssimas”.

Antes da viagem, Luís ficou paralisado pela insegurança de se afastar da avó, Ana Lúcia (esquerda), e da mãe, Ana Carlota (direita). Foto: Rafael Martins/DP

“Os meninos voltam mais maduros e a diferença no rendimento escolar é perceptível. Eles saem de uma cidade pequena e descobrem a real dimensão do mundo”, conta a coordenadora pedagógica Vânia Batista Barros. Segundo ela, as oportunidades geradas pelo programa estadual têm provocado uma migração de alunos da rede particular de ensino em Itambé para a escola pública, de onde apenas em 2017, 15 estudantes viajarão para o exterior. No estado, serão 1.050, dos 184 municípios, para os três destinos estrangeiros, que incluem também a Nova Zelândia.

Sabrina da Silva Lima e Fernando do Nascimento Santos, ambos de 17 anos, fizeram intercâmbio no Canadá. Foto: Rafael Martins/DP

Para quem “o mundo” acolhe, as idas e vindas são sempre grandes acontecimentos – e antecedem mudanças ainda maiores e significativas. “Quando me dei conta que deixaria meus pais espanhóis, abracei minha mãe Josefa enquanto preparávamos o jantar e comecei a chorar”, lembra o jovem. “Chorei para ir e chorei para voltar”, ele ri. Hoje, o garoto que pretende cursar direito ou história coleciona questionamentos. Muitos deles bem diferentes dos que fazia antes da viagem ou, mais além, quando estava prestes a voltar. Vai deixar Itambé? Vai retornar a ver os pais acolhedores, com quem fala por telefone ou internet toda semana? Vai voltar à Europa? Pensamentos comuns em quem percebe um tamanho de mundo sequer imaginado. “Se eu não tivesse ido, teria um arrependimento sem remédio. A gente cresce quando percebe que tem que se virar sem mãe, pai, avó. E isso tem consequências para a vida toda”.

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