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Além de sonhos de alunos, experiência de ensino integral em Timbaúba muda cotidiano de vizinhos da escola

Mudanças percebidas dentro e fora da sala de aula impactaram a visão de mundo das crianças e promoveram crescimento significativo nos boletins dos estudantes

Hoje, quem vê os meninos brincando nos fundos do colégio não imagina os arremessos de pratos do alto da caixa d'água. Foto: Rafael Martins/DP

Os pratos voavam como discos voadores por cima das casas enquanto as crianças gritavam do alto da caixa d'água, nos fundos da escola: ainda sujos, os “discos” se acumulavam nos telhados de casas nos arredores da Escola Municipal Maria Emília Vasconcelos, em Timbaúba, na Zona da Mata Norte de Pernambuco. A rotina de arremessos fez os alunos do atual 6° ano ficarem conhecidos na vizinhança.

Talvez por isso, poucos meses depois, a imagem dos 79 estudantes servindo-se da própria comida e recolhendo os pratos possa impressionar. Quem conta a história é um deles, Henrique Marinho, de 11 anos, um dos participantes da primeira turma de ensino fundamental em formato integral no centro de ensino. “Agora a gente faz fila, arruma as mesas, cuida dos garfos e facas, não faz sujeira. A gente vê que nem todo mundo tem essas oportunidades, e aí aprende a dar mais valor. Em vez dos discos voadores, a gente joga bola e brinca de queimado depois de almoçar”, conta.

Henrique Marinho, 11 anos, trocou os pratos que voavam por brincadeiras de verdade. Ele também é líder de classe e ajuda a organizar os colegas na hora do almoço. Foto: Rafael Martins/DP

Também aluna do 6° ano, Suelayne Maria, 11 anos, sabe o que a coordenadora quer dizer: viu suas notas subirem do mediano 5,5 para o almejado 8. Não pensa em parar por aí. “Eu tinha o costume de chegar em casa e jogar a mochila em qualquer canto, sair correndo pra brincar. Agora que passo o dia todo na escola, não faço mais isso. No começo, pensei que seria difícil me acostumar… eu não ia mais poder brincar a tarde toda, nem cochilar no sofá de casa. Mas foi engraçado: acho que presto mais atenção, que fiquei mais esforçada”, conta a menina. Sob insistência maior dos professores, Suelayne passou a entregar todas as tarefas de casa concluídas, o que pôs em movimento uma esteira de maiores esforços seguidos por melhores resultados.

Suelayne Maria, 11 anos, vê no estudo uma chance concreta de construir o sonhado salão de beleza para sua mãe. Foto: Rafael Martins/DP

A experiência do Maria Emília Vasconcelos está sendo replicada num total de 15 municípios pernambucanos, por meio de um programa de educação integrada. Ao todo, são 90 mil estudantes, em cidades como Tamandaré, Itapissuma, Bonito, Bom Conselho, São Bento do Una e Cabrobó, escolhidas a partir de uma série de indicadores educacionais e socioeconômicos. “O estado oferece formação aos professores e os municípios se encarregam de proporcionar a estrutura e o material didático necessário à implementação do projeto, além da alimentação dos alunos”, explica Maria Betânia.

Para o professor Josemir Francisco da Silva, 28 anos, licenciado em história, o principal benefício do modelo de ensino integrado é estimular os sonhos e o protagonismo dos estudantes. “O objetivo é formar cidadãos autônomos, solidários e competentes para lidar com os desafios da atualidade. Essas são nossas três diretrizes. Em alguns anos, entregaremos ao Ensino Médio um jovem preparado, pois estimulamos seu senso crítico, sua reflexão, seus planos para o futuro”, diz Josemir.

Na disciplina de Projeto de Vida, as crianças aprendem a fazer planos para o futuro e se permitem sonhar sem barreiras. Foto: Rafael Martins/DP

Entre os objetivos inscritos na cápsula, Suelayne, que não costumava fazer planos para a vida adulta, escreveu querer tornar-se engenheira elétrica e, assim, custear a montagem de um salão e beleza para a mãe, cabeleireira. “Esse é o sonho dela. E eu entendi posso ajudar a tornar esse sonho real e que, pra isso, eu preciso realizar o meu. O que aprendi de mais importante na escola é que não posso me deixar levar pelo que dizem, mesmo se falarem que meu sonho é difícil, eu tenho que abraçar todas as chances pra conseguir o que eu quero”, assegura a menina cujo crescimento nem o boletim mensuraria. E completa: “Se antes a escola parecia uma obrigação, hoje eu acho que é uma oportunidade”.

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Maria Betânia Rodrigues (esquerda) e Patrícia Arruda Cabral (direita) acompanham orgulhosas o amadurecimento dos alunos do ensino integrado. Foto: Rafael Martins/DP

Jeniffer Vitória, 11 anos, é uma das alunas líderes de turma, assim como Suelayne e Henrique, e fica encarregada de registrar dificuldades e avanços da própria turma num diário compartilhado com a coordenação. “Os líderes organizam as filas do almoço, pegam emprestados e devolvem os jogos da biblioteca, anotam se os outros estão se comportando”, explica a menina, que planeja ser advogada no futuro. “Quero ajudar as pessoas a se defenderem quando elas não tiverem condições”, conta.

Os alunos do 6º ano foram os primeiros a vivenciar o ensino integrado, que deve ser implementado nas outras turmas durante os próximos anos. Foto: Rafael Martins/DP

O espelho virá, segundo a gestão da escola, junto com reforma prevista para este ano, cujo propósito é preparar o Maria Emília para a implementação da Educação Integrada em todas as turmas nos próximos anos. Hoje, 850 alunos estão matriculados no centro de ensino.

“Além da organização estrutural, todos os funcionários são orientados. O termo integral não se refere somente ao tempo que os meninos passam no colégio, mas ao fato do sistema ser integrado, coeso. Até o funcionário que serve a merenda precisa observar se os alunos estão bem, se alguém não comeu, e os professores ajudam a investigar por quê”, detalha Patrícia.

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