Uma consulta pública sobre o chamado “mercado da água” voltou à tona nesta semana, a poucos dias do início do Fórum Mundial da Água, que será realizado em Brasília. A polêmica proposta do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) cria a possibilidade da venda e compra do recurso entre duas ou mais entidades. O texto, porém, não é recebido de forma positiva e dá voz ao debate sobre o direito hídrico do cidadão. Até o fechamento desta edição, mais de 36,2 mil pessoas se posicionaram contra o projeto, e apenas 345 votaram a favor. A plataforma ainda está disponível no site do Senado para votação.
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Proposta em discussão no Senado permite 'mercado da água' no país
Texto em discussão no Senado permite a compra e a venda entre empresa ou entidade do recurso retirado de bacias hidrográficas
A ideia do texto é autorizar um “mercado da água”. Na prática, o que ocorre hoje é que uma agência reguladora entrega outorgas para empresas, produtores e outras entidades. Cada um tem um limite máximo de retirada de água de uma bacia hidrográfica, por exemplo. No entanto, para o assessor técnico do projeto do senador Jereissati, Sylvio Coelho, isso não é um uso eficiente, já que se um produtor recebe 10 mil litros, em uma situação hipotética, mas só usa 8 mil, ele não fará o uso “inteligente” do recurso. O que pode acabar sendo um desperdício. A ideia do projeto, no entanto, é que as instituições possam comprar e vender a água entre si. Assim, um produtor que diminui o consumo pode comercializar o restante do direito com outra entidade. “O que acontece é que essa cessão de direitos se dá no nível de outorgas. E hoje, elas são intransferíveis, então o projeto está, na verdade, apenas permitindo que sejam feitos negócios entre aqueles que detém esse direito. É uma flexibilização para garantir eficiência”, explicou.
Para o doutor em hidrossedimentologia Henrique Marinho Leite Chaves, professor da Universidade de Brasília (UnB), a questão do mercado de água pode ter lados positivos e negativos. Um ponto benéfico é que uma comercialização poderia melhorar a eficiência, já que isso ocorreria apenas em regiões onde há uma escassez grande de água. No entanto, também pode haver domínio de setores mais capitalizados em relação a outros menores. “O que tem ocorrido em alguns países é que setores mais capitalizados podem chegar e começar a comprar títulos de águas e, assim, haver um tipo de monopólio por parte desses mais poderosos”, avaliou.
Uma forma, no entanto, de resolver o problema é haver uma ressalva adequada no projeto de lei, segundo o especialista. “Isso proibiria esse domínio. Cabe ao legislador estabelecer essa salvaguarda necessária para que não haja abusos, estabelecendo limites de volume etc.”, afirmou o professor. “Quem sabe se levando em conta essas cautelas em regulamentação, essa questão proposta seja interessante? Mas quem vai dizer isso é a sociedade. Se ela não vier preparada para discutir isso profundamente, essa sociedade com ou sem mercado vai sofrer consequências de uma má gestão”, disse o especialista.
Debate
Em audiência pública na tarde de ontem, entidades e sociedade civil puderam participar da discussão sobre o mercado no Senado. Em maioria, a população se mostrou contra o projeto do senador. Para a secretária de Meio Ambiente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Rosemari Barbosa Malheiros, da forma que está proposta, a água se transformaria em mercadoria de troca. “Hoje, a gente vê que nossa água pode a qualquer momento virar mercadoria, e como nós agricultores familiares, vamos produzir para colocar comida na mesa?”, questionou.
“A partir do momento que comercializar a água, vamos ter nosso povo morrendo de sede, e já não basta morrer por causa de agrotóxicos? Se tivermos que pagar pela água, agricultura familiar, que garante a soberania em segurança alimentar no país, não teremos como produzir”, afirmou. O assessor da ONG Cáritas Brasileira, João Paulo Couto, também se posicionou contra a ideia. “A água não deve ser apropriada como mercadoria ou lucro de corporações que vêm para piorar nossas vidas. Como bem comum, pertence a todos”, completou.
O que está em jogo? Como funciona hoje?
Atualmente, a concessão de direitos de uso da água ocorre por meio de outorgas. A agência reguladora pode conceder esses direitos gratuitamente para empresas, entidades e produtores rurais, por exemplo. Há um limite que é imposto para o volume máximo de retirada, que também é regularizado pela agência. A nível nacional, quem é responsável por isso é a Agência Nacional de Águas (ANA). É a ANA que estabelece quanto pode ser retirado de um rio ou de uma bacia hidrográfica, levando em consideração a capacidade de abastecimento e a flora e fauna da região. A outorga é intransferível. Ou seja, se uma entidade tem um nível X para consumir, ela deve utilizar essa mesma quantidade.
Como funcionará, segundo o projeto?
A proposta pretende fazer com que essas outorgas passem a ser transferíveis. Ou seja, se alguma entidade recebe o direito de utilizar 10 mil litros, por exemplo, mas diminui o uso para 8 mil, então, o projeto permite a venda dos 2 mil restantes. A justificativa é de que isso seria fazer o uso eficiente da água. Porém, agricultores e sociedade civil se posicionaram contra o projeto de lei. Para especialistas, apesar da necessidade do uso racional, isso poderia formar monopólios no mercado de água.
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