Economia

Pesquisa mostra que 42% das famílias trocam marcas para economizar

O percentual de brasileiros que substituíram produtos para manter o orçamento mais do que dobrou de 2014 para 2016. Centro-Oeste andou na contramão. As despesas em relação à renda subiram 12,8%, enquanto no interior paulista houve queda

Parada em frente à gôndola de chocolates e doces de um supermercado, Maria Lana Fernandes, 13 anos, estudante, pega um tablete, olha  e devolve. Pega outro, mas também devolve. Até que, depois de algum tempo, abandona o desejo de levar o que mais gosta e põe no carrinho a barra de chocolate com preço mais em conta. Diz que a mesada está curta e a mãe proibiu a compra da marca mais cara, sua predileta desde criança.

Assim como a adolescente, a crise tem forçado muitos brasileiros a trocarem as marcas mais caras por outras mais baratas. Em 2016, pesquisa do Instituto Nielsen apontou que essa foi a primeira medida das famílias para reduzir a pressão no bolso ao consumir produtos de alimentação, higiene e limpeza, sendo que, em 2014, era a sexta opção dos brasileiros. Nos dois anos de recessão, dobrou o número de famílias que incorporaram essa prática, passando de 20% para 42%.

O estudo mostra que a queda da atividade econômica, a inflação elevada e o cenário político instável geraram desesperança, tendo como resultado concreto, no ano passado, o encolhimento da renda familiar brasileira. Em cerca de 52% dos domicílios, algum membro da família foi atingido pelo desemprego em 2016.

Apertar os cintos foi a saída na maioria das regiões brasileiras, exceto no Centro-Oeste, onde as despesas, no ano passado, cresceram 12,8% em relação à renda. No interior de São Paulo, no mesmo período, houve uma queda de 6,5%. Segundo os pesquisadores, o brasileiro, castigado pela recessão continuada, tem se virado para tentar equilibrar as despesas. A troca de marcas na hora da compra foi o principal alternativa para baixar os custos, opção de 42% dos consumidores, seguida da redução do consumo no supermercado, adotada por 22% das famílias. A estratégia usada por 7% dos brasileiros para se manter no orçamento foi cortar a alimentação fora de casa, enquanto que, para outros 5%, a escolha foi diminuir despesas com vestuário e bens duráveis.

Henrique Miotto prioriza mudança de produtos de limpeza, que não têm gosto. Foto: Luis Nova/Esp.CB/D.A. Press

Escolha

“A gente não leva mais a marca. A gente leva é o preço”, sentenciou a aposentada Rosana Santana Alves, 62 anos, encarando a gôndola de iogurtes. “Tinha um tempão que não comprava o meu preferido, mas hoje dá, porque está em promoção”, disse. O gerente de  um supermercado, que prefere não se identificar, “assina embaixo” da sentença da aposentada. Conta que faz questão de abastecer a loja com quatro ou mais marcas de cada produto, para dar opção de preços aos clientes. “Depende do segmento. Farinha láctea, por exemplo, tem uma mais famosa e outras duas com uma diferença sensível no preço. Nunca mais comprei da famosa”, conta ele, que tem filho de seis meses.

A tese de “a marca determina o preço” é partilhada por Vani Soares, 39 anos, secretária desempregada. “Para mim, é tudo a mesma coisa. Veja esses enlatados tipo ervilhas, milho, molho de tomate ou seleta de legumes, coisas que compro sempre. Ou o filtro de café. Também na área de limpeza tem uma variedade boa de preços, porque há muitas marcas”, afirmou.

“O enlatado francês é bem melhor que o brasileiro, mas entre os brasileiros não vejo diferença. É tudo a mesma coisa”, opinou a corretora de imóveis Gisa Paiva Girondi, 57 anos, ao revelar que sua renda caiu há três anos, com a aposentadoria e a crise no setor imobiliário. Para economizar, ela corre atrás de promoções e reduziu quantidades, mantendo suas marcas preferidas.

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Já Henrique Miotto, 31 anos, casado e com dois filhos pequenos, confirma que trocar marca em busca de menor preço é uma das coisas que tem feito, sim, especialmente do ano passado para cá. “Faço isso com, praticamente, tudo. Só não consigo com o que tem gosto. Por exemplo, a manteiga. Já tentei a mais barata, mas achei muito ruim”, explicou. Por isso, ele busca a economia na troca de produtos insípidos. E na área de higiene e limpeza. Ou que não faz muita diferença em sua mesa: “carne, por exemplo, vou direto pelo preço menor.”

O casal de aposentados Jorge Chula, 67 anos e Vanilda Alves Dias, 70, adotam comportamento parecido com o de Miotto. “Já fui fiel a muitas marcas mas, agora, vou pelo preço. O sabonete tem uma dúzia de preços diferentes, pela marca e tipo, aí pego, às vezes, o mais barato, ou o preço mediano”, contou ela. “Se você não corre atrás, pesa no bolso”, diz Jorge. “Tudo sobe muito”, continua Vanilda, que fica de olho nas promoções para gastar menos. Só de uma coisa ela não abre mão: o shampoo, cuja marca tem preço “salgadíssimo”, mas ela garante que nenhum outro trata tão bem seus cabelos brancos.

Cecília Duarte com os filhos Levi e Valentina: família não poupa com alimentação. Foto: Luis Nova/Esp.CB/D.A. Press

Bolso leve

A concurseira Ana Flávia Fernandes, 32 anos, saúda o fato de o iogurte de sua preferência estar em promoção, pois há seis meses trocou de marca. “Enquanto não me chamam para trabalhar, minha mãe me banca, e por isso tem umas coisas das quais gosto, mas não levo de jeito nenhum, para o bolso dela ficar mais leve”, conta. Flávia, porém, não escapa de criticar quem só vai pelo preço mais baixo. “É horrível, porque minha tia compra uma esponja de lavar louça porque está R$ 0,20 mais barato do que a outra marca, de qualidade e efeitos melhores”.

Mãe em tempo integral, Cecília Duarte Lima Prado, 34 anos, quatro filhos, diz ser difícil demais sacrificar a qualidade por preço menor. “Não acho que seja tudo igual, de jeito nenhum”, diz. “Tenho uma amiga que faz isso; costuma ver o preço antes da marca do produto. Outro dia, troquei a marca de arroz, mas detestei”, exemplifica. “Meu marido é sushiman, por isso, lá em casa, a gente prioriza a boa alimentação e não precisa ter muita preocupação com o preço”, conclui ela, acompanhada pelos filhos Levi, 4 anos, e Valentina, de nove meses.

Equilíbrio

O educador financeiro Alvaro Modernell, da consultoria Mais Ativos, considera “muito saudável” para o mercado e para o consumidor a troca de marcas em busca de menor custo. “A médio prazo, pode levar a um equilíbrio de preços, até que o consumidor encontre a melhor relação custo/benefício”, prossegue. A crise obriga as pessoas a buscarem alternativas e também abre as portas a novas empresas que, para competir, oferecem melhor qualidade com bom preço, define o professor.

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