CINEMA
'Conclave' transforma a eleição do novo papa em uma tensa e envolvente guerra fria
Elegante e cinicamente divertido, longa protagonizado por Ralph Fiennes é uma trama de intrigas cheia de incertezas sobre o futuro da humanidadePublicado em: 22/01/2025 06:00 | Atualizado em: 22/01/2025 07:57
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Atuação de Ralph Fiennes é um dos pontos altos do filme (Diamond Films/Divulgação) |
Um dos mais secretos processos do mundo é virado pelo avesso e dissecado com minúcia em Conclave, que entra em cartaz amanhã nas redes Cinemark, Cinépolis, Moviemax e UCI Kinoplex. O filme acompanha a complexa eleição de um novo papa após a morte inesperada do pontífice anterior, quando o virtuoso e comedido Lawrence (Ralph Fiennes) é encarregado de conduzir a reunião confidencial que decidirá o novo líder supremo da Igreja Católica. A função, aceita com relutância, colocará o cardeal diante de uma imprevisível sucessão de revelações acerca dos candidatos ao posto e o que parecia um procedimento parcimonioso se transforma numa guerra fria.
Dirigido por Edward Berger (vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2023 por Nada de Novo no Front) e baseado no livro homônimo de Robert Harris, Conclave é candidato certo na corrida do Oscar em várias categorias e, dada a forte recepção das últimas premiações, ainda tem espaço para crescer. Chama atenção que, apesar da grandeza do cenário – das colunas de mármore às paredes seculares –, o filme é basicamente um thriller de câmara. Uma trama de confinamento fervida em banho-maria.
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Cinematografia austera e simétrica oprime os personagens e aumenta sensação de confinamento (Diamond Films/Divulgação) |
A tensão é palpável na expressividade do elenco, na austeridade estética e na enervante trilha sonora, mas o diretor nunca deixa o clima pesar para além da sobriedade dos personagens. Todo mundo parece sempre à beira de perder o controle, mas o perigo se manifesta nas entrelinhas, por falas mansas e gestos suaves. Trata-se, em princípio, de personagens dotados da maior sensatez e sabedoria divina dentre todos os homens da Terra e, no entanto, o confinamento desafia suas humanidades e as coloca para fora da batina.
Edward Berger trabalha com composições simétricas e rígidas nas quais o ar mal circula – e aqui isso faz todo o sentido. Ele traduz pela encenação uma cadência de fato litúrgica (como quem tem de cumprir obsessivamente cada ritual), mas é às vezes escancaradamente cínico e divertido, evocando constantemente a sensação de que estamos ouvindo por trás da porta. A cada nova opção que surge para o papado, o roteiro afiado escrito por Peter Straughan adiciona novas informações envoltas no grande jogo que essas eleições representam e evita a armadilha de propor conciliações – pelo menos durante 90% do tempo.
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Isabella Rossellini, em apenas sete minutos de tela, rouba a cena como a Irmã Agnes (Diamond Films/Divulgação) |
Com todo o rigor visual inflexível, que pode passar uma impressão de um filme limpo e seguro demais, Conclave é essencialmente sobre incertezas. A cena de Fiennes (sempre excelente) discursando sobre a necessidade de um papa que "tenha dúvidas" diz tanto sobre esse assunto quanto sobre o arco do próprio Lawrence. A dúvida, o orgulho e as próprias aspirações contaminam o conflito interno do protagonista e tiram o cardeal da posição de investigador e ponderador imparcial que a função lhe delega, aproximando-o paulatinamente da plateia e intensificando a pressão acerca das suas decisões.
É tudo tão equilibrado em Conclave que frustra quando ele resolve mastigar o conflito de modo expositivo e binário no terceiro ato, através de uma fala excessivamente ensaiada que compromete a força do texto. Um dos principais candidatos é, desde o começo, pintado de forma vilanesca e, na hora de amarrar as pontas, o filme verbaliza os valores que estão em debate, diminuindo a ambiguidade defendida por ele mesmo.
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Longa usa eleição papal para refletir as tensões e incertezas sobre os rumos extremistas do mundo (Diamond Films/Divulgação) |
Compensa, ainda assim, a coragem de não fazer da última cartada uma resolução definitiva. Toda a trepidação da atmosfera de Conclave reflete bem os temores (humanitários, sociais, climáticos) que o mundo enfrenta. É apropriado que a dúvida sobre o futuro prevaleça como a grande protagonista, já que, em última instância, não é apenas da eleição de um papa que essa história está falando.