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CINEMA

Mostra Tiradentes: curta pernambucano revela rotina da costura domiciliar no Agreste

Publicado em: 25/01/2021 08:52 | Atualizado em: 25/01/2021 08:58

Filme está disponível na Mostra de Tiradentes, que exibe gratuitamente 114 filmes de forma on-line até o próximo sábado (Foto: Universo Produc%u0327a%u0303o/Divulgação)
Filme está disponível na Mostra de Tiradentes, que exibe gratuitamente 114 filmes de forma on-line até o próximo sábado (Foto: Universo Produc%u0327a%u0303o/Divulgação)


Em uma região onde a seca se estende por grande parte do ano, a costura domiciliar terceirizada se torna a única saída para os períodos nos quais a agricultura familiar não garante o sustento. É a realidade do distrito de Cachoeira Seca, no assentamento Veada Morta, localizado na divisa entre as cidades de Caruaru e Toritama, no Agreste pernambucano, ilustrado no curta-documentário Pega-se facção, dirigido pela pernambucana Thaís Braga. A produção integra a 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes. O evento que abre anualmente o calendário audiovisual brasileiro é realizado inteiramente on-line, teve início na última sexta (22) e segue até o próximo sábado (30).

A programação é gratuita e está disponível no site do festival. Serão exibidos 114 filmes de 19 estados, sendo três produções e duas coproduções pernambucanas. A grade conta ainda com debates, rodas de conversa, oficinas, performance audiovisual, exposições, shows e atrações artísticas. Pega-se facção, que estreou no sábado e ficará disponível até o fim da Mostra, imerge na rotina de uma mãe e uma filha e os desafios provocados pela intensa seca, que as levam a disputar um difícil espaço na indústria têxtil.

O filme retrata, através das falas das costureiras, o dia a dia da costura de facção, na maioria das vezes adaptada para funcionar dentro das casas dos costureiros. “Buscamos retratar como essa relação com o meio doméstico e da agricultura influenciam na criação dos filhos, quais são os seus anseios em relação à saúde e doenças do meio, suas frustrações e expectativas para o futuro”, explica Thaís. De acordo com a cineasta, o curta desvenda uma realidade pouco conhecida sobre a produção de roupas em Cachoeira Seca.


“Eu conhecia a região como um polo de confecções muito forte e criei muitas expectativas, mas quando cheguei me deparei com a realidade nada glamourizada da costura”, pontua. Ao longo do documentário, são feitas comparações de procura, valores e exploração da mão de obra, atestando a precarização da produção da região rural em relação à de Toritama, já conhecida pelas dificuldades enfrentadas no trabalho autônomo e na perda de direitos trabalhistas.

“Espero ainda que as pessoas entendam que as calças jeans que vestem foram feitas por mãos tingidas de azul, encaliçadas pelo trabalho na lavoura e corpos que sentem as dores que precisam ser esquecidas para que o trabalho continue, e que humanizem esse processo onde gerações e gerações fazem e fizeram parte, que infelizmente tem poucas expectativas de melhora de vida”, apela a diretora.

Lançado em janeiro de 2020, o curta foi feito com recursos do edital Naíde Teodósio de Estudos de Gênero e já foi exibido em diversos festivais pelo mundo. O filme foi produzido por uma equipe composta exclusivamente por mulheres: Camilla Barbosa (produção), Sylara Silvério (diretora de fotografia, montadora e desenhista de som), Twany Santos (assistente de fotografia e montadora), Elisa Lazuli (captação de som) e Amanda Rocha (fotografa de stills).

3 Perguntas - Thaís Braga, diretora do filme
 (Foto: Lara Cabral/Divulgação)
Foto: Lara Cabral/Divulgação


O curta-documentário analisa a rotina da costura no assentamento Veada Morta, no distrito de Cachoeira Seca, traçando um paralelo com a produção do centro de Toritama. O que te inspirou a construir o documentário? Você tinha uma proximidade com a região?

Apesar do filme retratar a região Agreste do estado, sou de Igarassu, mas tenho uma grande proximidade com a costura, pois sou neta de costureiras. E, em 2013, me mudei para Caruaru para cursar Design, com o intuito de me dedicar à moda, sabendo que a região tem um polo de confecções muito forte. Criei muitas expectativas quanto a este cenário, mas ao chegar me deparei com a realidade nada glamourizada da costura.

Durante meus anos de graduação me dediquei a estudar como a costura de facção se organizava e em paralelo me aproximei da luta dos movimentos sociais onde pude relacionar os estudos acadêmicos com os estudos da categoria de trabalho. Foi a partir deste cruzamento de conhecimentos que surgiu a ideia do curta-documentário.

Qual é o sentimento de compartilhar uma prática econômica presente no nosso estado e, ao mesmo tempo, difundir a produção pernambucana para outros estados do país?

Todas as exibições têm sido muito transformadoras ao discutirmos a nossa realidade que, infelizmente, também existe em outras regiões do nosso país e no exterior. Nós temos percorrido alguns estados e já exibimos fora do país em Los Angeles nos EUA e Córdoba, na Argentina. No contato com realizadores (as) nós observamos que enquanto existe um estranhamento de não conhecer esta realidade a fundo, há ainda um sentimento de pertencimento, pois a costura de facção é o que sustenta a moda rápida (fast fashion) no nosso país e principalmente em países conhecidos como celeiros de mão de obra, como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Nosso estado, como um incentivador da cultura local, tem aberto muitas oportunidades para discutirmos democraticamente através do audiovisual a nossa realidade. Minha maior expectativa é que cada vez mais pessoas perguntem a origem das roupas que elas compram e como estão fomentando esse tipo de indústria de fast fashion que paga centavos por cada processo de confecção de uma calça jeans.

Como vê a participação feminina no audiovisual a partir de 2021? Prevê uma tendência de ampliação e reconhecimento da presença das mulheres, igualando com a maciça ocupação do gênero masculino?


As mulheres sempre fizeram cinema, desde Alice Guy Blaché, na França, quanto a Cléo de Verberena, no Brasil, mas tiveram seus nomes ofuscados pela história por causa da estrutura patriarcal que vivemos. Sinto que cada vez mais temos conquistado a visibilidade que merecemos, mas ainda são passos tímidos perto da caminhada que devemos percorrer nessa luta. Para romper as estruturas não só do cinema, é preciso haver uma grande mudança nesse sistema como um todo, pois quando uma mulher avança ela leva consigo todas as outras.

No nosso documentário, por exemplo, escolhemos trabalhar só com mulheres desde a pré-produção até a distribuição porque na minha visão as áreas mais técnicas do audiovisual são onde ocorrem os maiores apagamentos e desigualdades de gênero. Vou continuar lutando para que haja paridade de gênero no audiovisual e que não só as mulheres, mas a negritude e a comunidade LGBTQI+ finalmente alcancem o lugar que merecem. 
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