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Hollywood, da Netflix, é uma fábula queer do 'star system' na era de ouro do cinema

Publicado em: 11/05/2020 11:38 | Atualizado em: 11/05/2020 11:43

Achie Coleman (Jeremy Pope), Raymond Ansley (Darren Criss) e Camille Washington (Laura Harrier) em cena da série Hollywood. (Foto: Netflix/Divulgação)
Achie Coleman (Jeremy Pope), Raymond Ansley (Darren Criss) e Camille Washington (Laura Harrier) em cena da série Hollywood. (Foto: Netflix/Divulgação)

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a hegemonia cultural estadunidense se solidificou e Hollywood viveu uma nova era de ouro. Los Angeles despontou como uma terra de oportunidades, consolidando cada vez mais o “star system”, termo eternizado pela academia para abordar a relação entre produtoras de entretenimento e os meios de comunicação. É nesse período, constante alvo de fascínio pela própria indústria cinematográfica, que o aclamado showrunner Ryan Murphy ambientou Hollywood, sua nova minissérie original em parceria com Ian Brennan para a Netflix, disponibilizada no começo de maio.

A entrada de Ryan Murphy na principal plataforma de streaming  gerou altas expectativas. Para o roteirista e produtor sair da Fox, sua casa de longa data, a Netflix fechou um acordo de U$ 300 milhões - cerca de R$ 1,6 bilhão. O estadunidense é o criador de sucessos como Nip/Tuck (2003), Glee (2009) e das antologias American horror story (2011), American crime story (2016) e Feud (2017). Essa última também explorou os bastidores de Hollywood, acompanhando a histórica rivalidade entre as atrizes Joan Crawford e Bette Davis.

Com todas essas produções, o showrunner ficou conhecido por ampliar a diversidade da TV americana contemporânea. A pluralidade está tanto na escolha do elenco quanto nos assuntos abordados. Murphy gosta de trabalhar com temas delicados, diálogos reflexivos e profundos, intercalados com um humor crítico à hipocrisia da sociedade americana e um oceano de referências à cultura pop. Tudo isso aparece em Hollywood, que mescla personagens reais e fictícios para construir uma fábula queer sobre o distrito de Los Angeles, algo bastante distante da virilidade violenta de Quentin Tarantino em Era uma vez em... Hollywood (2019).

Jack Castello (David Coren) e Avis Amberg (Patti LuPone) (Foto: Netflix/Divulgação)
Jack Castello (David Coren) e Avis Amberg (Patti LuPone) (Foto: Netflix/Divulgação)

Aqui, a cidade emerge como uma terra povoada por jovens ingênuos que desejam ascender na indústria cinematográfica, mas precisam enfrentar diretores, produtores e agentes em hierarquias repletas de sordidez e abusos. O ponto de partida é Jack Castello (David Corenswet), um rapaz que voltou da guerra e sonha em ser um astro do cinema. Ele não é um bom ator, mas tentar usar de seus atributos físicos: é branco, musculoso e masculino, com um rosto do "herói" difundido pela campanha estadunidense.

Castello enfrenta dificuldades financeiras e, para completar, sua esposa está grávida de gêmeos. Para superar essa crise, o rapaz entra em um esquema de aliciamento, com garotos de programa que fingem trabalhar em um posto de gasolina de Hollywood. O dono é Ernie (interpretado com vigor por Dylan McDermott), inspirado em um homem real. Através do trabalho de michê, Jack conhece Avis Amberg (Patti LuPone), esposa do dono da Ace Studios, uma empresa fictícia que tenta emular  a Paramount Pictures. É a “perua” quem consegue uma vaga para o galã no “casting” do estúdio.

Quanto mais Jack adentra nos bastidores das produções, o submundo hollywoodiano se desvela como um jogo que envolve sexo, sedução e disputas de ego. Mais personagens assumem um protagonismo desafiador. Achie Coleman (Jeremy Pope) é um roteirista negro e gay, sem qualquer perspectiva de ascensão pelo conservadorismo daqueles tempos. Camille Washington (Laura Harrier) é uma atriz negra da Ace Studios, cansada de conseguir papeís estereotipados de empregadas. Ela é casada com Raymond Ansley (Darren Criss), um aspirante a diretor.

 (Foto: Netflix/Divulgação)
Foto: Netflix/Divulgação

Entre os personagens inspirados em figuras reais está Henry Wilson, muito bem interpretado por Jim Parsons (o eterno Sheldon de Big bang theory). Ele foi um agente que trabalhava com astros historicamente masculinos, mantendo relações sexuais para alçá-los ao sucesso. Entre seus clientes, o também real Rock Hudson, galã que manteve a homossexualidade em segredo e, na década de 1980, morreu vítima de HIV.

De alguma forma, possibilitada pelo roteiro otimista de Murphy e Brennan, todos esses personagens acabam participando das filmagens de Meg, o primeiro filme norte-americano protagonizado por uma atriz negra - Camille Washington, nesse caso. A partir daí, a minissérie expõe e discute as articulações opressivas que constroem uma indústria que até hoje dita padrões estéticos, comportamentais e sociais em todo o Ocidente.

A equipe de Meg sofre ataques da Ku Klux Klan, boicotes dos estados reacionários do Sul e ameaças de furos difamatórios da imprensa californiana. As questões abordadas necessitam do pano de fundo do pós-guerra, mas na verdade tratam de um problemas sociais que persistem até hoje. Para se ter uma ideia, o primeiro Oscar de Melhor Atriz para uma mulher negra foi apenas em 2002, para Hale Berry. Para um roteirista, foi há apenas dois anos, para Jordan Peele (Corra!).

Claire Wood (Samara Weaving) e Camille Washington (Foto: Netflix/Divulgação)
Claire Wood (Samara Weaving) e Camille Washington (Foto: Netflix/Divulgação)

A batalha dualista entre sonhadores de um mundo mais igualitário e as engrenagens do sistema normativo constrói o encantamento de Hollywood. A história se descola da realidade no último episódio, ignorando os limites da negociação dessa indústria com minorias e mergulhando em uma espécie de conto de fadas que provocou incômodo em parte considerável da crítica estadunidense. Mas diante do momento aflitivo que o mundo vive, não dá para julgar Ryan Murphy por desejar um final feliz. Em tempos difíceis, utopias são até bem-vindas.

Assista ao teaser de Hollywood:

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