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CINEMA

Cinemateca Brasileira, maior acervo da América Latina, vive 'anos sombrios'

Publicado em: 21/05/2020 09:59

A verba de custeio do espaço foi extinta em 2018, e a gestão ficou a cargo da organização social (OS) contratada, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), gestora da Tv escola. (Foto: Pedro Gomes/TV Brasil)
A verba de custeio do espaço foi extinta em 2018, e a gestão ficou a cargo da organização social (OS) contratada, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), gestora da Tv escola. (Foto: Pedro Gomes/TV Brasil)
Localizada onde outrora foi o matadouro municipal da cidade de São Paulo, a Cinemateca Brasileira é a maior salvaguarda da memória do cinema nacional. Criada em 1946 na Vila Clementino, zona sul da capital paulista, o espaço vive o seu período mais sombrio. Entre os problemas estão repasse nulo do governo federal neste ano, perdas no acervo, falta de manutenção, atraso nos pagamentos dos salários de funcionários e até das contas de energia. Ontem, com a demissão de Regina Duarte da Secretaria Especial de Cultura e relocação “compensatória” da atriz para a coordenação da cinemateca, o espaço ganha novo episódio no enredo de polêmicas. A indicação de Regina, inclusive, esbarra em indefinições de contrato. E o que ela classificou como “presente” de Jair Bolsonaro, na verdade se trata de uma instituição afundada em crise.
 
O trabalho das cinematecas é indispensável, como explica Ana Farache, coordenadora dos cinemas da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e da Cinemateca Pernambucana. “Elas representam, no mundo todo, um esforço de preservar o patrimônio audiovisual. Nos casos mais bem-sucedidos, praticam um tipo de preservação ativa, isto é, não apenas guardar filmes e outros itens, como roteiros, figurinos, equipamentos e fotografias, mas sobretudo os difundir, colocando o acervo em circulação, para que essas obras ganhem sempre novas leituras. Coletar, catalogar, preservar, difundir, estudar, pesquisar e ressignificar as obras. Sem esquecer que as histórias dos filmes do passado fortalecem e expandem a nova produção audiovisual”, afirma.

A Cinemateca Brasileira é a maior da América Latina: são 250 mil rolos de filmes, 1 milhão de documentos, 64 funcionários e receita de R$ 11 milhões em 2019 - com queda de 14,7% em relação ao ano anterior. Desde o início do governo Bolsonaro, militares e políticos conservadores passaram a ocupar o prédio, tanto na gestão, quanto na montagem da programação. Em 2019, o deputado estadual Castello Branco (PSL) esteve lá para anunciar uma mostra de filmes militares. Na gravação do vídeo, o parlamentar ainda pronuncia o slogan do governo (“Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”) e prestou continência aos líderes presentes. 

A verba de custeio do espaço foi extinta em 2018, e a gestão ficou a cargo da organização social (OS) contratada, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto (Acerp), gestora da Tv escola. O vínculo com a TV, no entanto, foi finalizado em dezembro de 2019 pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Desde então, a Acerp tenta a renovação junto à Secretaria de Cultura e chegou a investir um montante para a manutenção da cinemateca. Mas, sem qualquer repasse do governo federal neste ano, os salários de abril não foram pagos e os contratos de trabalho estão para ser encerrados.

Em nota, a Secretaria Especial de Cultura disse que “o processo de chamamento público, que visa selecionar a Organização Social Federal que manterá e gerenciará a Cinemateca, encontra-se em andamento”. Enquanto isso, profissionais denunciam a deterioração dos materiais. Caso a luz seja cortada, o acervo ficará sem refrigeração e o filmes em película podem estragar por conta da variação de temperatura, com risco até de incêndio.

PETIÇÃO 
Na última sexta, foi divulgada uma carta intitulada “Cinemateca pede socorro”, com assinaturas de profissionais ligados à história da instituição e cineastas. Entre eles, o pernambucano Kleber Mendonça Filho. “Isso é um pedido de socorro no pior momento dessa instituição que cuida da memória do Brasil”, escreveu, em suas redes sociais.

Apesar de um claro agravamento nos últimos dois anos, o texto indica que o início da crise se deu ainda em 2013. “Após sofrer uma intervenção do Ministério da Cultura em 2013, que destituiu sua diretoria e retirou-lhe a autonomia operacional, vem enfrentando um processo contínuo de enfraquecimento institucional, que culmina na atual ameaça de total paralisia.” O texto também fala que o contrato com a OS que a administra foi encerrado por iniciativa do MEC. Por fim, fala em “situação esquizofrênica”, ao se referir à atuação do governo federal e à omissão da pasta de Cultura. “Em fevereiro deste ano, as instalações da Cinemateca na Vila Leopoldina, que abrigavam parte do acervo, foram atingidas por uma enchente. Novamente a Secretaria do Audiovisual se absteve de suas responsabilidades, não esclareceu eventuais perdas, nem adotou medidas para proteger as coleções em perigo. Se a indiferença com o futuro do patrimônio audiovisual brasileiro persistir, as consequências serão ainda mais graves”, diz um trecho da carta. “Sem os cuidados dos técnicos e as condições de conservação, todo o acervo se deteriorará de modo irreversível. Nesse caso, quando chegar o socorro de Brasília, as imagens do nosso passado terão se tornado espectros de nossa falência como nação”, completa. 

A notícia de Regina Duarte como coordenadora foi uma surpresa para a Acerp e a equipe da cinemateca. A “namoradinha do Brasil” deve chegar para assumir o cargo ocupado por Olga Futemma, mestre em cinema pela Universidade de São Paulo (USP), há 36 anos na instituição e que atuou, entre outros trabalhos, na organização do arquivo pessoal do cineasta Glauber Rocha.

Acervo on-line Cinemateca Pernambucana
As cinematecas são indicadores de uma boa produção local. “Em todos os lugares onde existe uma produção audiovisual sustentada, como o é o caso de Pernambuco, percebemos a existência de cinematecas que ressignificam permanentemente a produção audiovisual”, aponta Ana Farache. A Cinemateca Pernambucana funciona na Avenida Dezessete de Agosto, em Casa Forte, ao lado do Museu do Homem do Nordeste.

A Cinemateca Brasileira foi a primeira nacional, fundada pelos precursores do Primeiro Clube de Cinema de São Paulo, fechado um ano depois pelo Estado Novo. Já a Cinemateca Pernambucana, existe há dois anos e tem total independência institucional com relação à Cinemateca Brasileira. Ainda assim, a relação com os gestores e os recursos de formação do espaço foram utilizados na formulação do espaço local. “Conseguimos reunir um acervo de mais de 250 filmes, além de figurinos, adereços de cena, documentos, fotografias, entre outros. São promovidos também cursos, sessões nas salas do Cinema da Fundação, com debates com diretores e público, entre outras atividades culturais e educativas”, diz a coordenadora.Durante a pandemia, o aparelho está com acervo disponível online gratuitamente no site: cinematecapernambucana.com.br.
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