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CINEMA

Hallyu: Onda sul-coreana conquista ocidente com sucessos de Parasita e K-pop

Publicado em: 17/02/2020 10:50 | Atualizado em: 17/02/2020 10:59

A globalização da cultura sul-coreana, vide o cinema e o fenômeno da música k-pop, surfa também numa onda econômica. (Foto: Divulgação)
A globalização da cultura sul-coreana, vide o cinema e o fenômeno da música k-pop, surfa também numa onda econômica. (Foto: Divulgação)
 
Existem 9.580 km em Oceano Pacífico entre Los Angeles e Seul. A distância foi cortada inúmeras vezes nos anos 1950 por soldados norte-americanos, que através do interesse de governantes apoiavam a parte sul do país coreano, dividido pela Guerra Fria. Na cerimônia do Oscar do último dia 9, quando a ativista e atriz Jane Fonda leu o nome presente no envelope e, após breve pausa, anunciou “Parasita”, o cinema apequenou a distância, desta vez por um motivo muito mais nobre: os sul-coreanos ocuparam o epicentro do entretenimento norte-americano. O principal responsável pelo feito é o cineasta Bong Joon-ho, que junto da equipe de atores, produtores e tantos outros envolvidos no processo, levaram para a Coreia do Sul as estatuetas de melhor direção, roteiro original, filme internacional e o inédito melhor filme. Inédito inclusive para qualquer obra em língua não inglesa. Contudo, Parasita é uma parcela da incursão oriental que se espalha pelo ocidente através da cultura. 
 
A conquista de Parasita é resultado de décadas de investimento e de um cinema centenário, que assim como o país passou por altos e baixos até a consolidação. As primeiras décadas de produção têm uma baixíssima quantidade de arquivos, mas muito se deu durante a ocupação imperialista japonesa. Na ocasião, muito da produção era em torno de filmes nacionalistas que enfrentavam o regime rígido vivido no país. O cinema só foi decolar após a Guerra das Coreias, quando o governo livrou os filmes de tributação e regulação estatal e, segundo o Korean Film Archive, a produção passou de cinco filmes em 1950 para 111 em 1959, com muitos deles refletindo o pós-guerra. Depois veio o regime militar e a censura, em plena Era de Ouro do cinema sul-coreano. A retomada definitiva foi nos anos 1980, com a revisão da Lei do Cinema e o surgimento de muitas produtoras independentes. Para além de Parasita e os outros longas de Bong, na última década a Coreia produziu filmes bem populares no ocidente e de importância para as premiações, entre eles OldBoy (2003) e A criada (2016), ambos de Park Chanwook; Invasão zumbi (2016), de Yeon Sang-ho; Eu vi o Diabo (2010), de Jee-Woon Kim; e Em chamas (2018), de Lee Chang-dong. Confira indicações de outros longas sul-coreanos. 
 
Bong sendo recebido na Coreia do Sul após o Oscar.  (Foto: ED JONES / AFP)
Bong sendo recebido na Coreia do Sul após o Oscar. (Foto: ED JONES / AFP)
 
A globalização da cultura sul-coreana, vide o cinema e o fenômeno da música k-pop, surfa também numa onda econômica. Entre 2000 e 2018, o país triplicou o Produto Interno Bruto (PIB), passando de US$ 500 bilhões para 1,5 trilhão. Esse levante global tem sido chamado de “hallyu”, que pode ser traduzido como “onda da Coreia”. Hoje a indústria cinematográfica do país desponta como a quinta maior do mundo, com arrecadação anual de R$ 6,78 bilhões. Fala-se até em “Hallyuwood”, um polo de produção industrial para rivalizar com a norte-americana Hollywood e a indiana Bollywood. Colocando em perspectiva com os investimentos nacionais, o país asiático investe anualmente cerca de R$ 6,4 bilhões (1,89 trilhão de wons). No Brasil, em 2018, antes da extinção do Ministério da Cultura, foram investidos R$ 1,9 bilhão.
 
Vale ressaltar que, apesar de existirem certos padrões e relações de negociação com uma cultura ocidental, a cultura coreana que está sendo exportada para o mundo todo não pode ser vista como algo monolítico. São produções artísticas variadas e multidimensionais. O caso de Parasita serve para nos ajudar a pensar como um projeto autoral aliado a um bom ecossistema de investimentos nacionais consegue um feito até então inédito. De acordo com o professor Thiago Soares, do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco, as articulações midiáticas e as relações com as políticas públicas e privadas tornaram possível a explosão da cultura sul-coreana. “Na verdade, esse momento da Coreia vem de um passado muito conservador e muito protecionista. Tem dois movimentos que parecem ser destacados: uma disputa no softpower da cultura na Ásia, entre Coreia, Japão e China. Quando tem a onda protecionista japonesa nos anos 1980, eles recuam muito um movimento de entretenimento exportador epassam a trabalhar com indústrias tipo automobilística. A China nunca foi um país de modelo de entretenimento forte, apesar de ter muito público interno. É justamente nesse cenário que a Coreia aparece”, explica.

O termo softpower tem sido bastante relacionado ao caso sul-coreano, principalmente depois do artigo Política cultural na onda coreana, publicado no International Journal of Communication. “O softpower é um termo cunhado nos anos 2000, mas já se presentifica desde Hollywood, como um jeito de exportar o estilo de vida norte-americano. Essa ideia já é algo presente na própria época que a ideia de indústria cultural nasce. O que a gente está vendo agora com a Coreia é algo que já vivíamos com a indústria de entretenimento norte-americano. Esse softpower é uma consagração do acirramento dessa disputa”, pontua Thiago. E em um mundo ocidental que enfrenta um levante protecionista com as políticas de Donald Trump ou o Brexit na Inglaterra, esse modelo e avanço asiático reconfiguram completamente a globalização.
 
Parasita é o primeiro filme de língua não-inglesa a vencer o Oscar. (Foto: VALERIE MACON / AFP)
Parasita é o primeiro filme de língua não-inglesa a vencer o Oscar. (Foto: VALERIE MACON / AFP)
 
Talvez uma das grandes contradições de toda essa história seja que Parasita se mostra um filme crítico ao próprio status ultraliberal da Coreia do Sul. O país está a todo vapor, ao mesmo tempo que a desigualdade social se intensifica. Ainda assim, o longa foi capaz de negociar e rasurar os status nas premiações. Emseu discurso no Oscar, Bong Joon-ho agradeceu a Quentin Tarantino, por sempre ter apoiado seu trabalho, e a Martin Scorsese, dizendo que ele foi de tamanha importância para sua formação. Ao conseguir ser global, enquanto é extremamente pessoal e autoral, Parasita altera os caminhos de uma premiação muito tradicional. É um filme também sobre família, vingança e injustiça, narrativas que acompanham a humanidade desde que começamos a contar histórias. Entre movimentos geopolíticos e afetivos, Bong e sua obra conseguiram reconfigurar, mesmo que por uma noite, as regras do cinema mundial.
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