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Muito além do glitter: conheça a história das Drags Dercy, Tory e Charlotte

Publicado em: 14/09/2019 19:00 | Atualizado em: 14/09/2019 22:16

Fotos: Samuel Calado/DP

Quem vê as Drag Queens apresentando luxuosos espetáculos no palco não imagina a luta para ser, chegar e se manter em cena. No Recife, existem várias gerações de transformistas que se sustentam financeiramente através desta arte. Como é o caso do trio Alex Viana, Alex Medeiros e Darlly Ravanelly. Elas dão vida às queens Dercy Milk, Tory Millicent e Charlotte Delfina. Elas fazem parte da nova geração de rainhas que animam as noites da Região Metropolitana do Recife, levando muito glamour, originalidade, força e empoderamento. Em entrevista especial, eles/elas revelam as dificuldades, conquistas e sonhos diante da dedicação exclusiva à persona. Subimos o Alto José do Pinho, na Zona Norte do Recife, para conhecer o atelier do ‘The Strongest Queens’. Um terraço com área de seis metros quadrados que foi transformado em uma oficina para montagem das novas queens. Entre máquina, tecidos, pincéis e maquiagens, elas falaram sobre a vida pessoal, contato com o universo transformista, dificuldades, trabalho e militância. 

Foto: Samuel Calado/DP

Darlly/Charlotte, 24, é o dono da casa. Ele é formado em vestuário e figurino e interpreta a rainha há quatro anos. O primeiro contato que teve com o universo das queens foi no ano de 2014, em uma apresentação de um fã clube que participava. "Eu vi o show da Drag Ruby Nox e fiquei encantado. Foi a primeira transformista que eu tive contato. Depois daquela noite, fui pesquisar na internet a história do movimento, alguns tutoriais de maquiagem e truques para montar a minha drag. O nome da Charlotte nasceu bem dizer naturalmente, em uma conversa dentro do ônibus com uma amiga. Ela me perguntou como se chamaria a minha drag eu respondi rapidamente. Era como se ela já morasse dentro de mim”. 


Na época, a família nem desconfiava do trabalho dele com montagem. O curso de teatro que fazia na época servia como pretexto para esconder a profissão. Sempre que precisava se montar, dizia que era para interpretar algum personagem em um espetáculo teatral. Isso até “colou” por algum tempo, até o momento em que a mãe dele, a dona de casa Mauricéia Vasconcelos, viu uma foto do jovem todo montado na internet. "Ela ficou assustada, pensando que eu estava me prostituindo. Foi então que eu sentei e expliquei que fazia Drag Queen e mostrei que isso era uma arte. Falei que a gente não quer ser mulher, a gente se traveste de mulher, valorizando a essência da feminilidade. Foi a partir daí que a minha família começou a apoiar as minhas decisões". Após essa longa conversa, a mãe passou a apoiar o trabalho do filho e cedeu até o terraço de casa para a montagem do atelier das “Strongests”.  Já a irmã dele, Darlianne Vasconcelos, por quem tem um carinho especial, foi quem esteve mais próxima ao trabalho desde o início. "Tudo o que eu queria ela me impulsionava. Ela ficava até de madrugada pesquisando comigo sobre o movimento e encontrando novidades para eu colocar na identidade da minha drag. Se eu sou o que sou devo a ela". Na noite de ontem (14), Charlotte venceu o concurso Top Drag e se consagrou como a melhor Queen de Pernambuco em 2019. 

Foto: Samuel Calado/DP

Após conhecer Darlly/Charlotte, mergulhamos na história da Drag do Alex Viana, de 23 anos. Segundo o artista, a personagem dele já se chamou Alexia Clarkson, Alexia Zaaqui, Dercy Gonçalves e hoje atende pelo nome de Dercy Milk. Ela nasceu há três anos e leva ao palco a extravagância, a simpatia, o movimento e a vitalidade da juventude. O jovem revela que a primeira vez que se montou foi aos 20 anos, na festa de uma boate da capital. "Eu não tinha ideia do que era ser uma Drag Queen. Quando eu vi a apresentação de uma delas, esperei o show terminar e pedi para que me montasse para eu ter aquela experiência. Quando eu olhei para o espelho e me vi montada, fiquei bastante emocionado. Foi a partir dali que eu quis seguir a carreira".

Foto: Samuel Calado/DP

Desde o início, a família de Alex/Dercy apoiou a profissão, contudo, a preocupação, principalmente da mãe estava na desvalorização profissional que os transformistas enfrentam no cotidiano. "Aqui no Brasil o descaso é muito grande para a arte em geral. Ela se preocupa muito ao ver que eu gasto demais e muitas vezes não tenho retorno. É muito caro para montar a Dercy. Muitas vezes a gente pensa em algo grandioso e não tem dinheiro no bolso. A gente chega a fazer até vaquinha entre os amigos. Uma vai ajudando a outra. Para se manter, além da profissão de transformista, Alex faz outras atividades autônomas para complementar a renda. 

Foto: Samuel Calado/DP

Assim como o Alex/Dercy, o primeiro contato do Alex Medeiros, 22, com o mundo das queens deu-se há três anos. “Eu sempre fui envolvido com a história de cover, de palco e tudo mais que envolvesse a arte. Pesquisava muitos shows de drag no Youtube, como os da Silvetty Montilla e da Laysa Bombom. A primeira vez que me montei foi para ir a uma balada. Comprei a minha peruca, comprei maquiagem, desenvolvi a roupa, fui para casa de uma amiga, me montei e fui".  A Tory Millicent tem ligação nas bonecas barbies que ele sempre quis ter quando criança, mas a mãe proibia. “Eu queria brincar de boneca e minha mãe me proibia. Eu chorava bastante e isso ficou muito marcado na minha vida. Hoje eu posso ser uma boneca e ter várias barbies, se eu quiser. Acho muito triste o que a sociedade faz com a gente, empurrando goela abaixo o comportamento que temos que ter.” Entre as apresentações, a que marcou o artista foi a do ‘'Avatar', "Alí foi onde eu deixei as minhas expressões de lado. Pintei o meu corpo, fiz prótese e fui para a rua. A boate foi abaixo. Quando eu entrei foi incrível, todos aplaudiram e gritaram o meu nome". 

Foto: Samuel Calado/DP

A aceitação da Tory dentro da família do Alex Medeiros aconteceu aos poucos, como expõe: "Foi um pouco ‘babado’, até porque não é fácil. As mães geralmente não entendem a arte e ficam preocupadas com a vida de shows na noite. Mas quando a gente mostra que realmente é um trabalho, tudo fica mais tranquilo e aos poucos começamos a ser aceitos". Diferente da Tory, que é bastante simpática e extrovertida, o Alex é um pouco tímido e conta que muitas vezes não consegue se expressar como queria, mas a sua personagem tem ajudado bastante a mudar isso. "A Tory está me fazendo ser mais expressivo. Ela que me fez saber a importância do que é ser LGBT e me tornou mais maduro, fazendo com que eu me impusesse e lutasse pelos direitos”. 

Hoje Charlotte, Dercy e Tory sustentam os meninos através dos cachê nas casas noturnas e eventos isolados onde se apresentam. Mas nem tudo são flores. Há uma desvalorização, falta de incentivo e preconceito de muitas pessoas. E quando esse preconceito se transforma em ação (homofobia), fica bastante difícil seguir na profissão. Alex/Dercy lembrou de uma cena marcante da época em que começou a se montar. "Eu estava dentro do ônibus com as minhas amigas a caminho da balada. De repente, começaram a jogar pedra na gente. Isso foi muito triste. Fiquei sem entender o que estava acontecendo. Mas fomos tão fortes que ao invés de voltar para casa, erguemos a cabeça seguimos o caminho. Acho que a melhor forma de vencer o preconceito é através da educação e da arte. Ele nunca vai deixar de existir, mas precisamos nos posicionar e não ter medo de ir à luta com dignidade.” 

Foto: Samuel Calado/DP

Mas mesmo diante das dificuldades, o trio consegue mostrar ao público um espetáculo grandioso, com direito a close, saltos, dublagem e muito bate cabelo. Uma aula de composição teatral, emoção e conceito. E nada é feito por acaso, tudo é trabalhado com temáticas e demanda dias de ensaio. No palco, cada um/uma expressa a identidade da sua personagem. A Dercy, por exemplo, é um furacão a perder de vista. Além de carismática, simpática e espontânea, consegue transmitir em cena a jovialidade da nova geração.  A Tory prioriza a expressividade e a dramaticidade em um corpo/jeito de boneca de Hollywood. E a Charlotte, além do carão e do refino no olhar, traz a luxuosidade e a riqueza dos grandes palácios europeus. É ela que, na maioria das vezes, coloca em prática no atelier os projetos de figurinos. 

E se tivessem a oportunidade de ficarem frente a frente com a sua Drag Queen, o que diriam? Fizemos essa pergunta para o trio. Darlly, pediria para a Charlotte nunca dizer os sonhos dela para aqueles que não são sonhadores. Já o Alex Viana, agradeceria a Dercy por ter entrado em sua vida e que independente de tudo, ele sempre estará com ela. E o Alex Medeiros finalizou dizendo que abraçaria a sua 'irmã’ e pedindo obrigado por tudo o que ela representa na vida dele. Sobre o compromisso social, eles revelam que a intenção é se preparar para receber as próximas gerações. “Nós buscamos mostrar que a união é essencial para a comunidade LGBT. Principalmente dentro do cenário Drag Queen no Recife. A gente tem que tirar essa ideia de que uma é melhor que a outra e nos unir. Valorizar o trabalho do próximo é bom e acrescenta muito. Estamos em uma estrada que não tem começo, meio e fim. Ela tem começo, meio e segue.”

Assista à videoreportagem completa com as queens  
 
 








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