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Cientistas desenvolvem técnica que permite monitorar evolução de tumores

Publicado em: 22/01/2021 09:19

 (ATS/Divulgação)
ATS/Divulgação
Um dos maiores problemas enfrentados no combate ao câncer é a metástase — a rápida propagação das células doentes no organismo humano —, que dificulta o tratamento da enfermidade. Em busca de formas de evitar a evolução acelerada de tumores, pesquisadores americanos resolveram monitorar esse processo em tempo real. Para realizar a difícil tarefa, utilizaram a tecnologia CRISPR-Cas9, que consegue alterar o DNA com precisão, e análises computacionais minuciosas. Os resultados iniciais em experimentos com ratos foram apresentados na última edição da revista americana Science.


Quando o câncer está presente em apenas uma região do corpo, geralmente é possível eliminá-lo com cirurgia e terapias medicamentosas, mas esses casos não costumam ser comuns. O diagnóstico tardio da doença também faz com que a metástase seja descoberta tardiamente, o que aumenta as chances de óbito. “Esses eventos são normalmente impossíveis de monitorar em tempo real, sendo vistos pelos médicos apenas quando estão já bem estabelecidos”, relata, em comunicado, Jonathan Weissman, um dos autores da pesquisa e membro do Instituto Whitehead de Pesquisas, pertencente ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos.

Para mudar esse cenário, Weissman e sua equipe resolveram usar como alvos de rastreamento da metástase mutações presentes nos tumores e identificadas em estudos anteriores. “Esse método, no entanto, é limitado, pois depende da existência de mutações ou outros marcadores de ocorrência natural que sejam suficientes para serem monitorados”, enfatizam os autores do artigo.

Em vez de esperar que uma linhagem de câncer contivesse marcadores específicos relacionados à propagação do tumor, os pesquisadores decidiram adicionar alvos desenvolvidos em laboratório. “Basicamente, a ideia é projetar uma célula que tenha uma espécie de arranhão genômico de DNA, ou seja, uma mutação comum em tumores, utilizando a técnica CRISPR-Cas9”, explica Weissman.

A equipe projetou células cancerígenas humanas usando a técnica e, depois, as utilizou em ratos, com o objetivo de gerar um tumor de pulmão nas cobaias — esse câncer geralmente apresenta metástase agressiva em humanos. Por meio de um monitoramento computacional avançado, os cientistas conseguiram acompanhar a evolução das células no organismo dos animais. Com as informações, criaram um mapa detalhado de divisões celulares.


Segundo os investigadores, a técnica permitiu construir uma árvore genealógica do tumor. Ao examinar os ramos, eles conseguiram rastrear a linhagem de cada célula para descobrir quando elas se tornaram nocivas e começaram a se espalhar para o resto do corpo. “Com esse método, você pode fazer perguntas como ‘Com que frequência esse tumor está metastatizante? De onde vêm as metástases? Para onde vão?’”, ilustra Weissman. “Ao ser capaz de acompanhar a história do tumor in vivo, você revela diferenças que seriam invisíveis de outra forma.”

Alvo de tratamento
O método revelou dados importantes relacionados à metástase. Um deles é que a evolução das células cancerosas se deu de cinco formas distintas, sendo que, na maioria das vezes, elas realizaram a mesma rota: “Partiram do pulmão esquerdo para outros tecidos, como o pulmão direito e o fígado”, detalham os autores. Também observou-se que o tecido linfático mediastinal, que fica entre os pulmões, parece ter um papel importante no processo de metástase. “Ele serve como um ponto de passagem que conecta as células cancerosas a todo esse terreno fértil que elas podem colonizar”, relata Jeffrey Quinn, também autor do estudo e pesquisador do MIT.

Segundo os cientistas, a descoberta de “centros de metástase” pode ser extremamente útil para as terapias oncológicas. “Se durante o tratamento contra o câncer você focar nesses locais, poderá prevenir ou retardar a metástase”, explica Weissman.

A equipe espera ir além da observação das células e começar a prever o comportamento delas. “É como a mecânica newtoniana. Se você conhece a velocidade, a posição e todas as forças que atuam sobre uma bola, pode descobrir para onde ela vai (...). É uma maneira inteiramente nova de olhar para o comportamento e a evolução de um tumor”, compara Weissman.


Patrícia Werlang Schorn, oncologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, destaca que o estudo explora uma área que é objeto de atenção de praticamente todos os especialistas da área. “Em câncer, o que mata é a metástase. Por isso, existe um esforço muito grande de quem estuda o tema em tentar achar os gatilhos desse processo, quais são as células e as proteínas relacionadas a essa disseminação. Se acharmos isso, conseguiremos criar um modelo de interrupção”, justifica.

A médica destaca que o estudo ainda é inicial e precisa de aprofundamento, mas pode fornecer importantes ferramentas que ajudem a aprimorar tratamentos. “Geralmente, identificamos a metástase no exame de imagem, mas, nesse estágio, ela já está estabelecida. Quem sabe daqui a alguns anos teremos como saber um pouco antes quando um tumor vai se expandir e usar um tratamento mais agressivo nesse momento para evitar que isso ocorra?”, cogita.

Uso ampliado
Werlang Schorn também acredita que a técnica proposta pelos americanos pode se tornar um método padrão para a área de pesquisa oncológica. “É um tipo de tecnologia cara e complicada, mas que pode ser aplicada em outros tipos de análises, já que tem se mostrado promissora, como nesse estudo, revelando informações importantes e que ainda não conhecíamos”, afirma.

Os pesquisadores do MIT planejam usar a nova tecnologia no estudo da evolução de outras enfermidades. “Eu acho que essa nossa área de pesquisa é um campo muito interessante, que deve crescer e pode ser um divisor de águas na área da biologia, já que estamos redefinindo o que é invisível e o que é visível”, afirma Matthew Jones, também autor do estudo.

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