DEMARCAÇÃO DE TERRAS INDÍGENAS

'Ordem partiu do Estado para sujar nossa imagem', diz cacique sobre confronto

Publicado em: 22/06/2021 20:58

 (Foto: Leo Otero e Andressa Zumpano/ Articulação das Pastorais do Campo)
Foto: Leo Otero e Andressa Zumpano/ Articulação das Pastorais do Campo
O coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), cacique Kretã, refutou a declaração da Câmara dos Deputados sobre o confronto entre indígenas e as polícias Legislativa e Militar, na tarde desta terça-feira (22), durante um protesto contra o Projeto de Lei nº 490/2007. De acordo com o órgão, o conflito começou após os indígenas tentarem invadir o anexo 2 da Câmara dos Deputados. Presente ao protesto, Kretã, líder do povo Kaingang, diz que a informação é falsa.

“Não tentamos invadir o anexo. Nós nos posicionamos no mesmo local em que manifestamos durante os últimos 15 dias que estamos em Brasília para protestar contra o PL”, conta.

Para o cacique, a mudança de tom na atuação da Polícia Legislativa é resultado de uma orientação superior. “Com certeza a ordem do Estado foi para isso, para que fosse aprovado o PL. Uma ordem para sujar nossa imagem, como sempre, querem nos lançar como maus. Nós fomos encurralados por todos os lados”, afirma.

Ele lamenta, também, o confronto. “Nós nunca quisemos machucar os policiais, não foi para isso que viemos para Brasília. Se fosse isso, já teríamos feito. Nós só queríamos protestar contra esse projeto que vai acabar com tudo para nós”, desabafa.

Os indígenas se mobilizam desde o início de junho em frente ao Teatro Nacional para conseguir apoio contra o projeto, que prevê uma série de modificações nas demarcações de terras indígenas.

O protesto desta tarde, no entanto, foi diferente. O PL seria votado no âmbito da Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ) na tarde desta terça-feira (22/6), e os indígenas se reuniram com esperança de que os parlamentares o retirassem de pauta.

“Quando chegamos ao local, falamos com os policiais legislativos e dissemos que íamos manifestar como sempre e, neste momento, um policial jogou a primeira bomba de gás lacrimogêneo na gente. A partir daí, foi um descontrole”, lembra. “Nós fomos encurralados. A [tropa de] Choque já estava preparada, escondida atrás do anexo. Após a primeira bomba, nos atacaram com balas de borracha também”, diz.

A partir da ofensiva das polícias, Kretã afirma que não teve como controlar os indígenas e flechas foram disparadas contra os policiais, além da derrubada das grades de proteção em frente ao anexo. Segundo a Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), um policial militar foi atingido por uma flechada no pé e dois integrantes da Polícia Legislativa foram feridos, um com uma flecha na perna e outro no tórax. “Os três foram socorridos pelo serviço médico do Congresso”, afirma a corporação, em nota.

Vídeo gravado dentro do Congresso mostra o policial atingido pela fecha na perna direita ser auxiliado por colegas dentro do anexo 2. Veja: 

Também foram registrados feridos entre os indígenas. Kretã afirma que “vários parentes passaram mal” e um foi hospitalizado, mas estão fora de risco. Sentiram dores e tiveram que ser medicados.

Questionados sobre a afirmação de Kretã a respeito do ataque inicial ser da Polícia Legislativa, a Câmara dos Deputados afirmou que o efetivo policial da Casa “não atacou deliberadamente os manifestantes, mas reagiu a uma tentativa de invasão do anexo 2”.

O órgão ainda afirmou que os agentes da Polícia Legislativa “são preparados para atuar na preservação do patrimônio e da segurança dos parlamentares, dos servidores e dos colaboradores da instituição”, assim como “respeitar o direito à livre manifestação dos cidadãos”.

Sobre a afirmação do cacique de que a tropa de choque da PM estava “escondida” atrás do anexo para atuar contra os indígenas, a PMDF disse que montou um esquema de segurança para a votação do PL, nesta terça-feira (22), com “grande efetivo policial para garantir a segurança dos manifestantes”.

De acordo com a corporação, a tropa de choque da PM foi acionada para auxiliar na “dispersão dos manifestantes” após a derrubada das grades da entrada do edifício. Ela também afirma que os indígenas “arremessaram pedras, flechas e tacapes nos policiais”.

Indígenas afirmam que continuarão protestos
O confronto ocorreu no dia em que o PL nº 490/2007 seria apreciado pela Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ). No entanto, os deputados suspenderam a sessão após o gás lacrimogêneo das bombas atiradas pelas polícias entrar no anexo 2 da Câmara e atingir os parlamentares presentes nos plenários das comissões. A sessão será retomada nesta quarta-feira (23), às 10h, e os indígenas estarão presentes.

“Estaremos lá. Vários deputados estarão conosco, a partir das 8h, para mostrar que não somos nós que fazemos conflito. Junto com a gente, levaremos os aparatos que recolhemos do ataque de hoje, várias bombas e balas de borracha”, afirma.

Na avaliação do cacique, o momento é crucial para a luta indígena de todo país. “Esse PL é um ataque frontal a nós. É o fim da demarcação do território. As terras já demarcadas também sofrerão mudanças”, declara. “Com o projeto, se o Estado tiver interesse em negociar nossas terras para madeireiros, garimpeiros ou latifundiários, ele poderá”, lamenta.

Kretã também afirma que o governo de Jair Bolsonaro (sem partido) influenciou nas invasões em todo Brasil e ajudou a retirar “o papel da Funai de proteger indígenas e demarcar as terras”. Em todo país, o cacique afirma que há “muitas mortes” decorrentes das invasões de garimpeiros e outros interessados em ocupar os territórios indígenas.

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