"Queria acordar e ver que tudo é mentira", conversa uma mulher na calçada. "Isso aqui virou uma segunda Brumadinho", comenta outro enquanto a comunidade tenta, cantinho por cantinho, tirar os litros de água e terra que invadiram, reviraram e destruíram seus imóveis.
A comparação com a cidade mineira atingida há um ano pelo rompimento da barragem tem sentido. O que causou a devastação de Iconha, com 14 mil habitantes, foi uma enxurrada que desceu de uma só vez pelo rio de mesmo nome, alimentada pelo nível altíssimo de chuva na sua cabeceira.
"O rio não entendeu que aqui não era rio. Para ele era tudo rio", define o contador Félix Menegueli, 36, apontando para a rua principal. Só não morreu mais gente porque a "cachoeira" desceu por volta das 20h, quando todos ainda estavam acordados.
Lá de cima, elas assistiam a dois carros sendo arrastados e ouviram a casa ao lado desabando, sem saber se era a delas porque a energia acabou. Naquela madrugada o escuro foi um dos muitos dramas dos moradores, que só viram a luz voltar um dia depois.
Mais de 30 pontes caíram e cerca de 20 bairros ainda estão isolados na região, recebendo comida e mantimentos através dos bombeiros. Só nesta quinta (23) a corporação, com 200 agentes no total, conseguiu começar a ajudar a população na limpeza. Chegou também pela manhã a tão esperada caravana do Exército. Cerca de 50 militares desembarcaram em Iconha após um pedido da prefeitura. Dias antes, o governo estadual havia dito que eles não seriam necessários, o que causou revolta na população.
O governador Renato Casagrande (PSB) anunciou que vai repassar R$ 3.000 às famílias com renda de até três salários mínimos. Às empresas, prometeu a abertura de linhas de financiamento emergencial, o estorno do ICMS e o adiamento dos prazos de dívidas com o BNDES, entre outras medidas. Também foi aberta uma conta para doações às vítimas.
"Nós não temos mais diferença de classe. O funcionário tá sem emprego, e o patrão tá com dívida. Eu estou preocupada com o futuro", diz Arlene Bernarde, que tem coordenado a distribuição da alimentação pela igreja da cidade. Ela já tem a entrega voluntária de mais de 3.000 refeições diárias garantidas até a próxima segunda-feira (27). De tempos em tempos, grupos passam em caminhonetes gritando "marmita!" e entregando garrafas de água mineral pelas ruas. A galocha é item quase obrigatório e já tem alguns modelos esgotados na capital.
"Primeiro deixamos a família na Venezuela, depois vivemos na rua por um mês em Roraima, agora perdemos tudo de novo", diz, chorando. Mas ela não reclama: "Aqui a fila para pegar marmita é de 30 pessoas, na fronteira era de 400 pessoas". Para quem já vivia em Iconha há décadas, a enxurrada relembrou chuvas que atingiram o estado em 1994. Na ocasião, Marinalva Veridiano, 65, perdeu o filho de 17 anos em uma enchente. "Dessa vez eu achava que ia morrer, só pensava nele. Ajoelhava na lama e dizia: Jefinho, misericórdia de Deus, vem socorrer mamãe.