Brasil

Telemarketing é setor que mais destrói empregos

No saldo de vagas deste ano, a categoria conta com 21.115 postos de trabalho a menos


Porta de entrada de muitos brasileiros com qualificação mais baixa no mercado de trabalho, a profissão de operador de telemarketing dá sinais de esgotamento. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a atividade foi a que mais destruiu postos de trabalho em 12 meses até setembro e não parou de perder vagas nos últimos quatro anos.

Este ano, a categoria dos atendentes tem tido o pior resultado no saldo de vagas (a diferença entre vagas abertas e fechadas no período), com 21.115 postos de trabalho a menos.

Segundo especialistas, com a proibição das ligações de marketing para números cadastrados, a restrição de ligações tarde da noite o avanço do atendimento via robôs e as mudanças nos canais de propaganda - indo para redes sociais e aplicativos -, o modelo de teleatendimento ainda deve passar por mais transformações nos próximos anos.

O número de trabalhadores nessa função ajuda a contar a história recente e vertiginosa da economia brasileira. Quando o País cresceu 7,5%, em 2010, a função de auxiliar de teleatendimento teve saldo recorde. Foram quase 40 mil postos de emprego a mais em 12 meses, até setembro. Em 2016, já em plena recessão, foram cortados 31,6 mil empregos, apontam os dados compilados para o Estado pela consultoria LCA.

Do lado da economia, a piora no varejo e nos serviços nos últimos anos também ajuda a explicar a queda de oportunidades para atendentes. Somente na empresa Atento, a maior empregadora privada do País, o número de funcionários recuou 11%, quando comparados os anos de 2014, antes da recessão, e 2019. Hoje, são 80 mil empregados.

"É um tipo de vaga que acaba absorvendo trabalhadores sem tanta qualificação ou que estão procurando se recolocar em momentos de crise", lembra o economista Cosmo Donato, da LCA. Ele completa que, apesar de mudanças recentes nas regras de terceirização, que poderiam fortalecer centrais já consolidadas de call center, o trabalho de atendente tornou-se mais vulnerável ao esbarrar em mudanças na legislação.

No ano passado, o Senado aprovou uma restrição nos horários e dias permitidos para o cliente receber ligações, além da possibilidade de cadastrar números de telefones de consumidores que não querem receber ligações das empresas.

Ramal ocupado

O setor de teleatendimento tem sofrido com um processo massivo de automação, diz João de Moura, presidente da Federação Interestadual dos Trabalhadores e Pesquisadores em Serviços de Telecomunicação (Fitratelp).

"As empresas sofreram muito durante a recessão e se empenharam em cortar custos. Ficou mais barato deixar uma gravação no lugar do atendente ou criar aplicativos para que o próprio consumidor solicite um serviço ou faça reclamações."

Luana Almeida, diretora da Vikstar, empresa do setor com 8 mil empregados, reconhece as mudanças provocadas pela tecnologia. "Há um enxugamento do setor, motivado pela introdução de novas ferramentas."

Ela lembra que, há alguns anos, os erros de cobrança eram muito mais comuns do que hoje. "O consumidor tinha até como rotina ligar no fim do mês para a central de relacionamento para checar as ligações da conta telefônica ou as compras da fatura de cartão de crédito."

O setor também destaca que a migração da publicidade para as redes sociais e WhatsApp tem provocado um novo ciclo de investimentos nas empresas, que passaram a contar com equipes crescentes de profissionais de tecnologia responsáveis pelo desenvolvimento e manutenção dos aplicativos e assistentes virtuais de atendimento.

"A mudança é inevitável, mas esse é um dos setores que mais empregam. Nada substitui a necessidade de o País qualificar essa mão de obra para exercer outras funções", diz Moura.

'Sem carteira, você vive um dia por vez'

No começo, foi difícil para a piauiense Raíza dos Santos, de 28 anos, se acostumar com o atendimento aos clientes de uma operadora de telefonia. O trabalho era pesado e o consumidor, nem sempre receptivo. "Cheguei a ganhar R$ 1.100 por mês. Pode não parecer muito, mas esse dinheiro ajudou a sustentar a família. Quando a crise no País apertou, as vagas ficaram mais disputadas e as empresas de call center passaram a pagar menos."

Desempregada desde junho, ela agora faz, em casa, bolos para festas e para vender na rua. Chega a percorrer vários bairros de Teresina, mudando a barraquinha de lugar dependendo do dia. Algumas das encomendas são para os ex-colegas que ficaram no telemarketing.

"Ainda estou pegando o jeito nesse trabalho novo, mas, dependendo do mês, consigo tirar entre R$ 800 e R$ 1 mil, enquanto deixo currículos. É difícil voltar para o call center, mas posso conseguir alguma vaga de balconista ou de frentista. A gente só não pode desanimar ou perder a esperança."

Ela agora faz planos de voltar a estudar e quer começar no ano que vem o curso técnico de auxiliar de enfermagem. "Antes, eu até conseguia me planejar melhor, sabia exatamente quanto ia entrar todo mês e reservava uma parte para os meus estudos e para a escola do meu filho. Agora, é trabalhar e contar com a sorte. Quando não se tem carteira assinada, você acaba aprendendo a viver um dia de cada vez."

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