Crime

Servidora que denunciou caso de racismo foi exonerada pela prefeitura de BH

Publicado em: 20/09/2019 10:43 | Atualizado em: 20/09/2019 11:55

Pedro Vilela/Divulgação
A Prefeitura de Belo Horizonte exonerou, na quarta-feira (18), a servidora pública Etiene Martins, de 35 anos, que denunciou dois casos de racismo que teriam partido de outros dois funcionários do Executivo municipal. Etiene trabalhava no Programa de Prevenção à Letalidade de Jovens e Adolescentes, e sustenta ter sido desrespeitada por um guarda municipal em novembro de 2018.

De acordo com Etiene, o guarda municipal disse que “preto bom é preto morto”, em um evento que reunia representantes de movimentos em defesa da igualdade racial.

Posteriormente, em março deste ano, Etiene relata ter recebido um e-mail, enviado por sua chefe, questionando suas denúncias. Na mensagem, a remetente afirmava que “lugar de negra é limpando o chão”.

A exoneração foi publicada na edição do Diário Oficial do Município (DOM) dessa quarta-feira.

Em posicionamento, a prefeitura informou que a servidora já havia pedido exoneração em 3 de julho deste ano, antes das denúncias. Contudo, a secretaria não aceitou o pedido, com objetivo de apurar o fato, conforme a PBH.

A apuração, segundo o Executivo municipal, “resultou na absolvição do guarda municipal” por parte da Corregedoria do órgão.

Por telefone, a assessoria da Guarda Municipal disse que o guarda municipal proferiu uma “fala mal posicionada” e passou por um curso de qualificação.

Quanto à outra denúncia, que diz respeito ao e-mail da chefe de Etiene, a prefeitura informou que o caso é apurado pela delegacia de crimes cibernéticos da Polícia Civil. Ressaltou, ainda, que o inquérito deve ser fechado em breve.

O caso
Toda a situação foi relatada por Etiene Martins nas redes sociais. Em outubro de 2017, ela contou que foi nomeada gerente de Prevenção à Violência e Criminalidade Juvenil, que tem como principal função coordenar o programa de Prevenção à Letalidade de Jovens e Adolescentes.

“Fiquei feliz e esperançosa e encarei como uma missão trabalhar com políticas públicas que pudessem contribuir com a diminuição dos números do genocídio do negro na capital mineira”, contou, na época, ao Estado de Minas.

Porém, em 21 de novembro de 2018, ela disse que foi vítima do que mais combate em sua missão: o racismo.

“Estávamos no Seminário Municipal de Prevenção ao Crime e à Violência, promovido pela PBH. Após uma das mesas de discussões, que contava sobre o perfil dos jovens negros que morrem vítimas de assassinato, um guarda municipal, chamado Luzardo, me disse a seguinte frase: 'preto bom é preto morto'", contou.

Ela diz que o questionou pela fala, mas o guarda agiu com completa naturalidade. De acordo com Etiene, o agente trabalhava como motorista da Secretaria de Segurança e Prevenção.

Então, ela decidiu comunicar à pasta sobre o que havia ocorrido. Logo, informou à diretora de Prevenção Social ao Crime e à Violência, Márcia Cristina Alves, e ao secretário Genilson Zeferino para que fosse orientada de como proceder.

Por meio do aplicativo WhatsApp, em 22 de novembro, o secretário teria dito: “Preciso falar-lhe com urgência. De antemão, te peço não tomar nenhuma medida jurídica ou policial em função do que você viveu hoje. O prefeito já foi informado e me advertiu no sentido de resolver 'o problema' sem tornar público nossas fraquezas”.

A tela com a mensagem foi capturada e publicada no Facebook por Etiene. Ela afirmou que o titular da pasta a aconselhou a não levar a denúncia adiante, pois o ambiente de trabalho ficaria “insustentável”.

Porém, em 24 de novembro, ela decidiu ir à Corregedoria da Guarda Municipal e abrir um processo contra o agente. Em maio deste ano, seis meses depois do episódio, ela disse que nada havia mudado e o guarda exercia sua função normalmente, inclusive, no mesmo ambiente que ela.
 
“O ambiente já estava insustentável pra mim. Era uma tortura dividir o mesmo elevador e ambiente com esse guarda, que trabalha armado. Sinceramente eu morria de medo”, relatou.

Ela conta que decidiu, inclusive, se deslocar por meio de aplicativos de transporte para que não fosse necessário entrar no carro com o servidor que ela denunciava.

Seis meses depois, segundo ela, a Corregedoria concluiu que a fala do agente não configurava “dolo, mas sim fala inapropriada no local de trabalho”, conforme informado pela assessoria da pasta.

“Em um dos depoimentos, o guarda admitiu ter dito a frase 'preto bom é preto morto', mas disse que não falou por maldade, que foi de pura alma, e que era só uma brincadeira”, afirmou Etiene.

E-mail
Em 21 de maio, ela decidiu registrar um boletim na Polícia Civil e comunicar ao secretário sobre a insatisfação com a avaliação da Corregedoria. Porém, logo depois, Etiene diz ter sido surpreendida por um e-mail enviado em nome da diretora de Prevenção Social ao Crime e à Violência, Márcia Cristina Alves.

“Depois da sua argumentação de hoje, você me fez constatar que para representar a SMSP (Secretaria Municipal de Segurança e Prevenção) é necessário um gerente branco como o Sebastião e o lugar de negra é limpando o chão”.

Segundo Etiene, o secretário a garantiu que apuraria a situação e chamou um técnico da Empresa de Informática e Informação do Município de Belo Horizonte (Prodabel) para verificar a veracidade do e-mail.

A apuração, afirma Etiene, constatou que a mensagem era verdadeira e que foi enviada do computador da diretora. “O secretário me mudou de setor e me disse para ficar tranquila que o processo está na Corregedoria e teria responsabilização”, acrescentou.

Em 28 de julho, ela voltou à Corregedoria.

“Fui obter informações relativas a datas e andamento do processo com o relator responsável, que me atendeu no corredor da recepção, diante de outros servidores e visitantes, e se recusou a me passar informações, alegando que eu seria chamada para depor. Insisti, expliquei minha situação e nada”, lamentou. Foi quando ela decidiu fazer o post do Facebook para expor a situação.
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