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Debate sobre racismo em igreja frequentada por Michelle Bolsonaro é cancelado

Publicado em: 19/07/2019 20:59

Convenção Batista Brasileira
A igreja evangélica pratica o racismo religioso? A ideia era debater o tema numa jornada organizada pela Juventude Batista Brasileira (JBB) na igreja da primeira-dama Michelle Bolsonaro, a Batista Atitude, na zona oeste do Rio de Janeiro. 

Na véspera, contudo, a educadora social Fabíola Oliveira recebeu uma ligação comunicando a suspensão da mesa da qual participaria nesta sexta-feira (19) com o pastor Marco Davi Oliveira no Despertar 2019, evento que começou na quarta (17) e termina neste sábado (20).

A mesa com os dois, mais alinhados à linha progressista no meio evangélico, foi substituída às pressas por uma roda de conversa menor com outros convidados. O cancelamento foi atribuído por ela e outros pastores com quem a Folha de S.Paulo conversou a setores conservadores da Convenção Batista Brasileira.

Para Fabíola, vozes mais radicais se fortaleceram após a eleição de Jair Bolsonaro (PSL), que tem esposa e dois filhos -o senador Flávio e o deputado federal Eduardo- frequentando igrejas batistas.

Falar sobre racismo seria, nesse novo contexto, algo indigesto, pois o tópico teria ligação com bandeiras históricas da esquerda. 

A reportagem entrou em contato com a Convenção Batista Brasileira, que disse não ter por ora posição oficial sobre o assunto. Orientou a reportagem a procurar um vídeo publicado nas redes sociais em que Amnom Lopes, coordenador de sua ala jovem, fala sobre a conferência cancelada.

Ele diz que, "em tempos de polarização política", é preciso enxergar que "existe algo muito maior do que essa briga que a gente faz hoje". 

"Quem é crente tem a Bíblia como centro", afirma Lopes antes de pregar que a Bíblia precisa ser superior "a qualquer ideologia política". 

"Você tem um governo que é da esquerda, e esse governo começa a fazer coisas que são contra a palavra de Deus. De alguma forma, quando você se posicionar, vai parecer que você está um pouco para direita, porque a Bíblia é seu centro. Da mesma forma, quando você tem um governo que está na direita, e esse governo começa a fazer coisas não de acordo com o que a palavra diz, vai parecer que está à esquerda."

A JBB afirma que a desistência do debate "Descolonizando o Olhar: o Racismo Atinge a Igreja?" aconteceu "por motivos alheios" à sua vontade.

Amnom não fala diretamente sobre a questão política, mas diz que ninguém tem o direito de incutir viés partidário na JBB. Acrescenta que, sim, discutir o racismo é pertinente.
"Na mesa só tem gente do mesmo lado. Mas é porque contra racismo só tem um lado mesmo, gente. Se não é o lado que condena o racismo como prática pecaminosa, não tem outro lado."

Pedro Luis Barreto Litwinczuk, o pastor Pedrão, que celebrou o casamento de Eduardo Bolsonaro em maio, defende Fabíola. "Ficou feio por ser uma falta de educação. Se achavam que não era um local para que ela participasse, por que permitiram ser convidada? Isso mostra muitas vezes o despreparo de muitos para lidar com determinadas situações."

O que se viu, continua Pedrão, "foi uma pitada de insegurança e autoritarismo por parte da diretoria dos batistas brasileiros".

Fabíola tem um discurso crítico ao bolsonarismo. Ela afirma que muitos irmãos evangélicos levam acriticamente o preceito bíblico de que toda autoridade é constituída por Deus.

Veriam o presidente, portanto, como um representante de Deus e, como tal, acima de quaisquer questionamentos. "A pessoa pensa que não pode questionar, e essa é nossa função enquanto cidadãos, fiscalizar."

Mas a fala de Bolsonaro, segundo ela, "não se relaciona ao Evangelho, é uma fala bélica, odiosa".

Ativista de movimentos negros desde 2002, ela diz que virou alvo de conservadores batistas em parte por seu passado no candomblé. Converteu-se evangélica em 2015 e nem por isso deixou de tocar nessa ferida, diz.

"Ficou muito caro falar em racismo religioso. Eu experimentei isso. Já fui orientada a não falar de orixás em ambiente de trabalho. Minha mãe contava que as pessoas tinham medo de comer os doces que ela fazia por ser do candomblé."

Boa parte do segmento evangélico enxerga religiões afrobrasileiras, como o candomblé e a umbanda, como um celeiro de práticas contrárias à doutrina cristã. Simplificando: coisa do diabo.

O bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, hiperbolizou essa visão com um best-seller dos anos 1990, "Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?". 

"De repente, eu me vi na igreja evangélica", conta a convertida Fabíola, que hoje vai na Comunidade Batista de São Gonçalo (RJ). "Vi de onde que se produz isso. Não é da igreja, são das pessoas lá dentro. O Evangelho não tenta de forma alguma demonizar alguém." 
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