Se essa rua fosse minha

Tiago Carneiro Lima
Advogado, sócio de Lima e Falcão Advogados

Publicado em: 14/06/2019 03:00 Atualizado em: 14/06/2019 09:34

Era comum a cantiguinha de roda: “Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar, com pedrinhas, com pedrinhas de brilhantes, para o meu, para o meu amor passar”.  

As ruas não são do presidente Bolsonaro. Mas ele está no comando da nação. E essa agenda de ajustar as contas públicas para, só depois, retomar o crescimento econômico, deixará o atual governo ainda mais ao sabor das eternas crises políticas, das antigas práticas utilizadas pelos aproveitadores de plantão, enquanto o país espera que as ruas sejam ladrilhadas com medidas eficientes, e não com velhos e falsos brilhantes.

O governo Bolsonaro deve implantar uma agenda de desenvolvimento econômico e sair da armadilha do antigo discurso de reformas. Se insistir, cairá no descrédito. Afinal, falar apenas das velhas reformas é o discurso da classe política descompromissada, dos encastelados nas mordomias, de uma  do empresariado que vive às custas do crédito privilegiado - inclusive o de não pagar, e das eternas viúvas do período do regime militar. Quase sem exceção, essas camadas sociais não se conformam com novos tempos. Não leem, não se modernizam, não perdoam, não renunciam. Vivem no passado, sempre culpando o “governo”, que, agora, é de direita. São “les romantiques” das canções de Léo Ferré (1916-1993). Um aglomerado de poucos que de tudo têm, mas permanecem resistentes a uma democracia social.

Falar de salários incompatíveis com a qualificação e com a produtividade? Falar de férias de 60 dias? Empresas disputando o competitivo mercado mundial sem subsídios governamentais? Falar de empresas financiando inovação tecnológica, pesquisa e educação de ponta com capital privado e próprio?

Sequer votei em Bolsonaro. Mas é preciso respeitar o resultado das urnas e cobrar do atual governo a implantação de um modelo de desenvolvimento econômico para o Brasil.

Além do corte de privilégios, algo de suma importância para que o Brasil se torne um país mais justo, é crucial e urgentemente necessária a abertura de linhas de crédito para empresas – de crédito rápido e barato. Motivaria a produção industrial, a criação de empregos, inovação tecnológica, prestação de serviço de alta performance, educação de qualidade, retomada da oferta de emprego, reaquecimento da área imobiliária etc. Uma lista interminável de boas coisas.

Contudo, se essas ideias são antigas, se foram testadas e aprovadas pelos países ricos, por que o governo Bolsonaro não as implementa? Estamos em pleno século XXI, as agendas mudaram. Dá para conciliar o social com o econômico? O governo Bolsonaro precisa tentar. Pelo menos tentar, e ter a coragem de fazer o que disse que faria quando ainda estava no palanque.

Se a União é acionista única ou majoritária de bancos estatais, é ela que tem que liderar a oferta de crédito bancário com taxas de juros praticados na Europa e nos USA. Isso é mercado, competição.

Há muita gente que não se importa em garantir, com todo o patrimônio pessoal, a obtenção de crédito rápido e barato. Há muita gente disposta a investir nas próprias empresas. O governo, agora dito como liberal, precisa apoiar o investimento privado. E isso só é possível com crédito bancário e juros no patamar dos países ricos.

Ajustar as contas para sair da atual crise? Privatizar os “elefantes brancos”?

Se o governo federal decidir sair da cantilena da esquerda atrasada e abrir uma competição comercial dentro da direita rentista já será um grande rumo para o Brasil.

O governo necessita intervir, e falo de intervir comercialmente, na taxa de juros. Esperar que o mercado a regule com a atual concentração de poucos bancos privados já seria uma tarefa hercúlea. Contudo, fazer isso com o BNDES, BNB, CEF e BB emprestando dinheiro do Tesouro Nacional com uma única perspectiva rentista torna essa redução uma tarefa impossível. Com as taxas praticadas, burocracia de contratar e dificuldade de obter crédito, as únicas coisas que os bancos estatais financiam são as mordomias e a corrupção. Desenvolvimento quase zero.

Os Estados Unidos têm uma dívida interna de trilhões de dólares. E se mantêm como o primeiro país do mundo. A China era acusada de copiar de tudo, e vejam o que ela é hoje. A Europa, unida ou dividida, mantém-se como um lugar de primeiro mundo. Quanto é a taxa de juros desses países? O que eles fizeram para incentivar a produção?

Quando o governo federal mandará que os bancos estatais reduzam os exorbitantes lucros dos bancos estatais e que usem o dinheiro do tesouro para desenvolver o Brasil?

Ajuste fiscal se atinge com corte de gastos e de privilégios, é verdade. Contudo, o mais importante é que se faça um profundo investimento na inovação e na produção industrial do nosso país. Para isso, precisamos que o governo federal também cante a cantiga de roda e pavimente as ruas com “pedrinhas de brilhantes”: com as taxas de juros dos países ricos.

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