Futebol é esporte de mulher

Túlio Velho Barreto
Cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e foi vice-coordenador do Núcleo de Sociologia do Futebol (Nesf-UFPE/Fundaj)

Publicado em: 13/06/2019 03:00 Atualizado em: 13/06/2019 10:09

Em junho, as seleções brasileiras feminina e masculina de futebol participam torneios internacionais. Mas apesar da seleção feminina disputar o mais importante, a Copa do Mundo, na França, é a masculina que está sob os holofotes. E Neymar, que nem sequer jogará o torneio continental, além de ter sido denunciado em caso de estupro, tem tido mais destaque que Marta, considerada a melhor jogadora de todos os tempos; ela que é recordista da premiação ‘Bola de Ouro’ (Fifa) e maior artilheira brasileira de seleções, em ambos os casos entre homens e mulheres, e também das Copas femininas. Na mesma pisada, outra jogadora da seleção, Cristiane, duas vezes eleita a terceira melhor jogadora do planeta e a maior artilheira das Olimpíadas, entre mulheres e homens, não tem recebido muita atenção.

No plano coletivo, a seleção feminina também já obteve resultados expressivos, sobretudo diante do apoio absolutamente desigual que as mulheres recebem. Foi quarto lugar nos dois primeiros torneios entre seleções femininas em Olimpíadas. Em edições seguintes bateu na trave e obteve duas medalhas de prata. Venceu três pan-americanos e é atual tricampeã da Copa América. E já foi vice-campeã mundial. É exatamente a Copa do Mundo, que começou domingo com cobertura bem inferior à Copa América, o novo desafio de Marta, Cristiane e da seleção. Ao que tudo indica o melhor momento dessa geração parece ter passado. O que é irrelevante diante dos históricos desafios enfrentados pelas mulheres em campo – e fora deles, é claro.

Ressalte-se que todas essas conquistas individuais e coletivas são bem recentes, quase todas neste século. E por uma razão: o enorme preconceito contra a participação feminina no esporte tido, aqui e alhures, como masculino. O preconceito, que pretendeu – e conseguiu durante uns 100 anos – excluir as mulheres do esporte mais popular do mundo, contribuiu para que elas ficassem quase ‘invisíveis’ também nessa importante prática social. E, portanto, ainda mais limitadas nos espaços públicos.

De fato, criado por homens na Inglaterra, em 1863, o moderno futebol chegou ao Brasil no final do século XIX. Assim como na Inglaterra, aqui o futebol também se estabeleceu como espaço masculino e elitista. Só deixou de ser um esporte de elite quando incorporou jogadores negros e adotou o profissionalismo. Mas isso não significou o fim de todos os preconceitos. Persistiu ainda o controle dos homens sobre o esporte. Tal fato ocorreu não por falta de interesse e iniciativas das mulheres. Por exemplo, ainda em 1892, na Escócia, houve a primeira partida entre times femininos. Em 1895, a primeira entre seleções da Inglaterra e Escócia. No Brasil, há indícios de partidas entre mulheres em 1908-09. Mas o primeiro registro histórico de uma partida é 1921, em São Paulo. Logo depois as mulheres passaram a ser toleradas quando muito apenas como espectadoras. Às vezes, nem isso.

A exclusão das mulheres de um espaço social, que os homens consideravam seu, foi consagrada em lei pelo governo em 1941, quando Getúlio Vargas editou o Decreto Lei 3199, criando o Conselho Nacional do Desporto. Nele, se lia: “Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. Era uma espécie de apartheid, embora as mulheres resistissem, criassem times quase clandestinos e praticassem futebol sem caráter competitivo. Tal medida resistiu à redemocratização de 1946 e foi ratificado pelos militares em 1965. Só sendo revogado em 1979.

Tais restrições deram vazão ao machismo, socialmente aceito e incentivado, criando também no futebol uma reserva de mercado de trabalho masculino ao mesmo tempo em que ‘condenaram’ mulheres-jogadoras ao espaço privado da casa e da família. É tal realidade que, no passado, as pioneiras e, hoje, Marta, Cristiane e tantas outras tentam vencer. Além de encantar com o seu futebol, superar tal estado de coisas é apenas uma de suas muitas lutas.

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