Aniversário de Francisco Brennand

Mário Cysneiros
Psicólogo e músico

Publicado em: 11/06/2019 03:00 Atualizado em: 11/06/2019 08:43

Mesmo tentando não cair em bairrismos excessivos, sinto que nossa terra Pernambuco vive pulsando em arte. Temos aqui uma produção original, vibrante e multicolorida, de uma arte que luta com firmeza e constrói histórias de belezas incomuns. Em verdade, são muitos os artistas por quem podemos sentir orgulho e admiração.

E um deles certamente é Francisco Brennand, que completa no dia de hoje noventa e dois anos de vida, um artista de trajetória marcada pela profunda dedicação ao ofício criativo e valorização da cultura brasileira.

Impressiona a história de vida e conquistas do nosso conterrâneo. Com apenas vinte anos ganhou por duas edições seguidas o primeiro lugar no disputado concurso de pintura Salão de Arte do Museu do Estado de Pernambuco (1947-1948). Na década de 60 produziu os painéis encantados Primavera da rua do Sol, e Batalha dos Guararapes na rua das Flores, no centro do Recife.

Por ocasião de uma breve passagem em 1963 pela chefia da Casa Civil do Palácio Campo das Princesas, criou o projeto de reaproveitamento e transformação da antiga prisão da cidade em Museu Casa da Cultura Luiz Gonzaga. O mesmo artista que aos quarenta e quatro anos (1971) iniciava vigorosamente a construção da mítica Oficina Brennand a partir de uma antiga fábrica de cerâmica em ruínas.

Em 1993 recebeu o Prêmio Gabriela Mistral, um dos mais importantes da América Latina. Francisco era amigo íntimo do inesquecível Ariano Suassuna, uma ligação iniciada ainda na adolescência, quando estudavam no Ginásio Pernambucano na rua da Aurora, que perdurou até o falecimento do dramaturgo.

Enfim, estamos falando do Brennand autor do Parque das Esculturas que enfeitiça nosso Marco Zero (2000), um artista que maravilhosamente se faz presente por toda a cidade, em nossas casas e na vida do recifense através das cerâmicas, pinturas e esculturas.

A questão, amigos, é que se fôssemos listar todos os importantes feitos e conquistas do artista, não haveria espaço suficiente num breve escrito biográfico. E penso poder enriquecer este texto apologético compartilhando duas experiências que tive com Francisco.

Em 2016, por intermédio da Unicap, pesquisei sobre sua obra e o conheci. Aprendi com ele que os grandes são reais e podem ser acessíveis. À época, durante uma entrevista ele falou: ‘Vou completar noventa anos e é como se eu ainda não tivesse resolvido nada. Eu me ponho diante de uma tela, e é como se fosse o primeiro quadro. (...) Você nunca tem certeza daquilo que você está fazendo. As formas têm as suas próprias definições. Você pinta pensando que é uma coisa e sai outra. Repentinamente o quadro se faz, depois de muitas tentativas.’

Comove observar um artista do alto de seus noventa anos, depois de uma carreira solidamente construída e inúmeros reconhecimentos, manter a clareza e sabedoria nos falando que uma importante atitude do artista é o prosseguir, o continuar produzindo e buscando caminhos possíveis. Que as saídas e respostas se mostram em surpresa, após inúmeras tentativas. Por sua fala, entendi uma mensagem de humildade e encorajamento, o valor de seguirmos em luta, seja na arte ou fora dela.

Outra experiência marcante deste período foi o surgimento de um projeto pessoal inspirado na figura do mestre e no nome de um dos fornos da Oficina, Prometeu. Imaginei que o artista, e Brennand é um ótimo exemplo, representaria a figura mítica do Prometeu na sociedade. Um sujeito assaltado por abalos afetivos, que observa profundamente o horror da existência e sofre de ‘inquietações malditas’; mas que, por outro lado, tem a habilidade de trabalhar a matéria, adquirir o fogo dos deuses e ofertar aos semelhantes um caminho de elevação para o divino.

A arte, enquanto o fogo criado pelos homens, surge em decorrência de nossa existência particularmente sofrida, angustiada, fragmentada, é um fogo de redenção. E como um verdadeiro Prometeu, Brennand há muito vem criando um dos fogos mais grandiosos e duradouros de nossa cultura.

Viva o mestre Francisco Brennand!

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