Editorial Pacto do atraso

Publicado em: 04/06/2019 03:00 Atualizado em: 04/06/2019 09:06

“Subdesenvolvimento não se improvisa. Cultiva-se.” O senador Roberto Campos costumava repetir a frase irônica, mas realista, sempre que eram tomadas decisões contrárias ao interesse do país. Estivesse entre nós, o parlamentar teria a oportunidade de proferi-la mais uma vez.

O substitutivo do senador Tasso Jereissati à Medida Provisória 868/18 foi para o lixo. Tinha prazo até ontem para ser aprovado. Deputados ignoraram os argumentos em favor da proposta e a deixaram caducar. Condenaram o Brasil a se manter na Idade Média no tocante ao saneamento básico.

Não por acaso, 100 milhões de adultos e crianças vivem sem acesso à rede de coleta de esgoto e 35 milhões não dispõem de água potável. Os números, calamitosos, justificam a humilhante posição no ranking mundial: a 8ª economia do planeta encontra-se atrás de 105 países.

Governadores de 24 unidades da Federação se opuseram às mudanças apresentadas na MP. A razão: perderiam o controle que detêm sobre o setor. Por mandarem nas companhias estaduais de saneamento básico, eles dão prioridade aos interesses politiqueiros em detrimento do bem comum.

Hoje lhes é facultado contratar empresas públicas sem licitação. Só quando há concorrência, as concessionárias privadas podem entrar na disputa. A MP mudou as regras. Impunha a realização de licitações para firmar contratos, o que abriria espaço para a ação de empresas privadas isoladas ou na forma de Parcerias Público-Privadas.

Não só. A regulamentação do setor de água e esgoto trocaria de mãos. A responsabilidade passaria dos municípios para a União. Ficaria a cargo da Agência Nacional de Águas (ANA). Explica-se, assim (mas não se justifica), a pressão contrária dos donos do poder. O atraso venceu.

A derrota do novo marco regulatório do saneamento básico implica menos investimentos no setor — carente de recursos e distante das obras vistosas que tanto agradam aos políticos. As inversões na área ficam bem aquém do aceitável.

Estima-se a necessidade de aplicar R$ 20 bilhões por ano para sanar o problema. As cifras, contudo, ficam bem aquém: R$ 11,3 bilhões em 2016 e R$ 10 bilhões em 2017. Com a crise financeira que afeta a maior parte dos entes federados, esboça-se cenário talvez mais sombrio daqui para a frente.

O país se manterá mergulhado na era medieval, distante das luzes do Renascimento. Pagará preço alto por isso. O maior custo recairá sobre a saúde da população e a consequente sobrecarga do equipamento público. É inaceitável.

Parafraseando Roberto Campos, pode-se dizer que a situação calamitosa em que se encontra o saneamento básico não se deve ao acaso, mas à irresponsabilidade continuada. Cabe ao Congresso apresentar projeto de lei a fim de modernizar a legislação e introduzir o setor no século 21.

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