O público não é privado

Plutarco Almeida
Jornalista e sacerdote jesuíta

Publicado em: 03/06/2019 03:00 Atualizado em: 03/06/2019 08:46

Sempre que eu tento caminhar por uma rua entupida de barracas ou andar pelo passeio onde o sujeito (ou a sujeita) estacionou tranquila e impunemente o seu veículo, fico a pensar na brutalidade de uma sociedade que não respeita nem o direito e nem as normas básicas de convivência. Sim, porque conviver não é viver sozinho é “viver com” as pessoas de modo pacífico e ordeiro. Ora bolas, regras e leis são feitas para serem obedecidas, mas tudo indica que nós brasileiros nunca entendemos isso. Se existe uma placa dizendo que é proibido tal coisa, automaticamente acharemos um jeito de driblar a proibição. Às vezes tenho a impressão de que os verbos infringir e desobedecer fazem parte do nosso DNA. E se determinadas categorias do serviço público se acham intocáveis, também nós queremos pegar carona nesse bonde. No final tudo acaba em pizza e a massa é a mesma, ou seja todo mundo.

Proponho aqui uma questão: o político corrupto é mais nocivo à sociedade do que o brasileiro ou a brasileira que se apossa de um pedaço de rua ou de um passeio? Invadir um espaço público, um bem que é de toda a comunidade afinal, é menos grave do que as propinas dadas e recebidas nos gabinetes de Brasília? A esse respeito, alguém poderia argumentar dizendo que a corrupção movimenta milhões enquanto uma barraca no meio da rua ou o carro em cima do passeio não causa tanto prejuízo financeiro ao país. Na minha mais do que modesta opinião, não creio que existam tantas diferenças. O desrespeito é o mesmo, a violação de direitos é idêntica. Como cidadão brasileiro eu tenho o dever de pagar meus impostos para que a prefeitura mantenha as ruas e passeios em bom estado. Evidentemente, na medida em que eu cumpro as minhas obrigações cívicas eu me reservo no direito de andar livremente pela cidade utilizando os espaços urbanos que não pertencem a esta ou àquela pessoa, mas a toda a comunidade. Eu não permito que o dinheiro público seja sequestrado pelos políticos corruptos, assim como não dou permissão a ninguém para privatizar e usar em benefício próprio o que é de fato e de direito um bem público.  

A exemplo de muitas cidades brasileiras, Recife exibe diariamente um festival de abusos contra a lei e a ordem. Em vários pontos da cidade o que era para ser de todo mundo tornou-se propriedade particular de alguns espertalhões. Bagunça geral! E o pior é que ninguém sabe onde foi parar a fiscalização municipal com suas leis e regulamentos. Então, salve-se quem puder, quem tiver mais força ou poderosas amizades nos andares de cima. Ninguém reclama porque se pudesse faria a mesma coisa. O DNA é o mesmo. Aqui se trata da famosa e famigerada lei de Gerson, aquela que recomenda “levar vantagem em tudo”. Sinceramente, tenho medo desse tipo de coisa, e acho que se continuarmos nessa pisada logo chegaremos bem perto da barbárie, se é que já não chegamos.

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