A humanidade está regredindo?

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 03/06/2019 03:00 Atualizado em: 03/06/2019 08:47

Vivemos tempos de fake news, fatos alternativos, teorias conspiratórias, populismos, autocracias, terrorismos e nacionalismos. Persistem os bolsões de pobreza. Isso sugere que a humanidade estaria regredindo? No seu último livro “Enlightenment Now: the case for reason, science, humanism and progress” (2018), o prof. Steven Pinker, da Universidade Harvard responde que não. Ele combate os ‘pessimistas culturais’ e a ‘progressofobia’. Mostra que suas narrativas padecem de dois vícios cognitivos que nos provocam uma visão melancólica sobre o mundo atual. Incorrendo no primeiro, o viés da disponibilidade, estimamos a probabilidade ou frequência de um evento pela facilidade com a qual ele vem à mente (pela imediatidade ou extravagância, como os atos ‘teatrais’ de terrorismo ou os memes teratológicos). No segundo, o viés da negatividade, prestamos mais atenção às notícias negativas, as que viralizam. Aos dois pode-se juntar o da viseira ideológica (explicações à procura de fatos que nelas se enquadrem). Como antídoto, propõe a ideia que herdamos do Iluminismo. A de que, para resolver os problemas, precisamos entender o mundo. Evitando esses vícios cognitivos, temos que desenvolver uma mentalidade quantitativa. Que nos permita enxergar os fatos como eles são. Contando-os e os comparando. Por isso, o livro traz um amplo levantamento empírico sobre o progresso da condição humana. Com gráficos e tabelas sempre em curvas positivas na comparação entre as últimas décadas e séculos, embora reconhecendo os problemas que ainda afligem milhões de pessoas. Enfocam-se as seguintes dimensões de bem-estar.

Sobrevivência: aumento da longevidade e redução da mortalidade infantil e materna. Saúde: erradicação de doenças, mais curas, e mais vacinas, antibióticos e antirretrovirais. Nutrição: redução dos bolsões de fome, maior produtividade na produção de alimentos. Riqueza:  maior acesso aos bens da vida, maior renda per capita disponível, redução da pobreza extrema de 90% da população em 1820 para os menos de 10% atuais. Desigualdade: a globalização aumentou a concentração de renda nos países ricos, mas não impediu a diminuição geral dos níveis de pobreza e a melhoria da situação dos pobres e da classe média nos países pobres. Meio-ambiente: apesar da real ameaça do aquecimento global, houve melhora na matriz energética e diminuição da poluição nas cidades. Paz: há menos guerras entre países, com menos mortes onde ocorrem, embora persista o risco nuclear com nove países detendo a bomba. Acidentes: declínio em mortes por acidentes de carro e avião, quedas, fogo, afogamentos e envenenamento. Terrorismo: apesar da teatralidade do impacto, causam menos mortes que o coração, o câncer e os acidentes. Democracia: praticada em mais países, apesar da emergência das autocracias populistas. Igualdade de Direitos: rejeição de racismo, sexismo e homofobia, e maior adesão aos valores emancipatórios. Conhecimento: exponencial em todas as áreas, graças à revolução da tecnologia da informação; aumento generalizado do QI das pessoas. Qualidade de Vida: mais pessoas têm mais tempo livre e acesso aos bens essenciais, e a uma vida produtiva e saudável. Felicidade: maiores índices de satisfação e bem-estar, decorrentes de maior autonomia e liberdade, em alta mesmo nos países mais pobres.

Ultrapassando os indicadores tradicionais de progresso, Pinker alinha-se a Amartya Senn, em seu clássico Development as Freedom. Para ambos, desenvolvimento significa criar as condições para que as pessoas façam suas escolhas e desfrutem das maravilhas naturais e culturais do mundo. Apontando os números ainda preocupantes, ele não hesita em realçar os avanços. Ao reconhecê-los, faz justiça aos ativistas, cientistas e agentes públicos que viabilizaram as conquistas culturais, científicas, tecnológicas, institucionais e políticas. Para ele, reconhecer o que já foi conquistado representa um impulso para os movimentos progressistas continuarem suas lutas.

Ao final das 450 páginas, o leitor fica com a sensação de que os dados apresentados não condizem com a sua percepção subjetiva sobre os horrores em que ainda vivem milhões de humanos. Pode ser que Pinker esteja pintando um quadro róseo da vida no planeta. Ele que talvez nunca tenha pisado numa favela brasileira ou num acampamento de refugiados no Chade. Mas não se pode negar os avanços que ele apresenta com fundamentos empíricos. E que já são reais muitas das ambições do Iluminismo. Fico imaginando os pessimistas culturais lendo esse livro de Pinker e parando por um instante de repetir o niilismo de Nietzsche e Schopenhauer ou de destilar sua inércia e mau humor nas redes sociais. Teriam algum trabalho para refutá-lo.

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