Construindo as pontes da memória

Luzilá Gonçalves Ferreira
Doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 28/05/2019 03:00 Atualizado em:

Em um ensaio intitulado Homens e engrenagens, Ernesto Sábato, citando Berdiaeff, para quem a história não tem nenhum sentido em si mesma, “não sendo mais que uma série de desastres e intentos fracassados”, lembra a que ponto uma concepção trágica da existência explica que boa parte da literatura atual tenha como tema a angústia, a solidão, a falta de comunicação entre os seres, a loucura ou o suicídio. Pois o mundo deve, sim, ter um sentido, uma vez que, “apesar de toda a sem razão, continuamos atuando e vivendo, construindo pontes e obras de arte, organizando tarefas para muitas gerações posteriores a nossa morte, meramente vivendo”. Lembra que os céticos não lutam e deveriam se matar ou se deixar morrer e a maioria dos seres humanos não se deixam morrer nem se matam, continuam trabalhando energicamente como formigas que fossem eternas. Esse afã de construir o que se deixar para gerações vindouras, que inspira os humanos, foi assunto do curso, concluído na semana passada, que, durante dois meses, a Academia Pernambucana de Letras ofereceu ao público recifense. Com efeito, desde o desejo de se refazer uma cidade, com suas ruas impregnadas de vida lembrada na arquitetura, como o mostrou o acadêmico José Luis Mota Menezes, ou nos costumes antigos ou modernos, presentes na culinária de nossas avós segundo estudo de Maria Lecticia Cavalcanti, retomados nos hábitos urbanos na Olinda de Lucilo Varejão e no Recife dos anos 60, descritos e comentados por Lucilo Varejão Neto, e Admaldo Matos, respectivamente. Lourdes Sarmento lembrou que memória e comunicação convivem, Marcos Galindo demonstrou a permanência da ciência da informação em nossos atos mais cotidianos. Carrero expôs a trama e seu próximo romance e como.o enredo se constrói a partir de memórias, contadas ou imaginadas. Anna Maria Cesar expôs as contingências do texto histórico-literário, Frederico Pernambucano discorreu sobre o fenômeno do cangaço e seu lugar em nosso imaginário, Nelly Carvalho nos apresentou o modo como nossa língua portuguesa é depositária do passado. José Paulo mostrou como a memória literária pode fazer com que um grande poeta como Fernando Pessoa, seja plagiário de si mesmo. José Nivaldo Jr. criticou o modo como abordamos a história e a linguagem com a qual criticamos os que diferem de nós: por que o termo Pré-História, por que nos servimos de palavras como barbaridade, como selvageria, para nomear certas ações desqualificadas? A aula final do curso, que se intitulou Transfigurações da Memória, reuniu Lourival Holanda e a presidente da APL Margarida Cantarelli nos deu uma aula de civilização e história antigas, comentando a riqueza cultural do Irã e o culto da memória da antiga Pérsia, na beleza dos monumentos, na riqueza do artesanato. Palestra brilhante de Lourival Holanda, sobre os dilemas dos seres humanos atuais, ante um mundo que se transforma rápido demais, inventando a cada dia novos modos de enfrentar o que julgamos ser o real, criações, máquinas, objetos nem sempre imprescindíveis e logo descartáveis, que exigem maneiras de domar o tempo e o espaço. No final do curso, regozijo geral, com entrega de certificados, o tradicional “lanchinho” (!) de confraternização, e já a saudade das tardes de sábado, e inúmeras sugestões para o próximo curso.

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