Jânio Bolsonaro Quadros

Luiz Otavio Cavalcanti
Ex-secretário da Fazenda e ex-secretário de Planejamento de Pernambuco

Publicado em: 22/05/2019 03:00 Atualizado em: 22/05/2019 08:50

Há um cheiro de contrassenso no ar.

25 de agosto de 1961. Apenas seis meses depois de eleito, o então presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo. Após participar de solenidade militar, celebrando o Dia do Soldado, Jânio faz chegar ao presidente do Senado Federal, Auro de Moura Andrade, carta-renúncia.

O senhor Jânio Quadros tinha três características principais: primeira, como pessoa, era imprevisível. Tomava decisões abruptas. Já havia renunciado à candidatura presidencial. E retomado a campanha.

Segunda característica, como político, acentuou perfil populista. Gostava de se dirigir à massa. De produzir um discurso criando narrativa épica. Dispensava apoio de partidos políticos maiores e mais organizados. Foi lançado a presidente pelo PTN. Embora depois apoiado pela União Democrática Nacional – UDN, o Partido da classe média urbana brasileira.

Terceira característica, como presidente, mostrou seu temperamento autoritário. Não conseguiu estabelecer com o Congresso Nacional um diálogo institucional estável. Eleito pelo voto da direita, escandalizou seus eleitores: concedeu a medalha do mérito Cruzeiro do Sul a Che Guevara.

Na carta renúncia, Jânio mencionou a existência de forças ocultas a dificultarem seu governo. Nunca explicou de que se tratava. Por outro lado, seu vice-presidente, Jango Goulart, era político visto com desconfiança pelo Exército. Desde os episódios de 1945. Quando Vargas, padrinho político de Jango, foi deposto pelos militares.

Acrescente-se detalhe relevante: no dia da renúncia de Jânio, o vice, Jango, encontrava-se na China. Naquela época, voltar da China para o Brasil envolvia tempo precioso.

Resumindo: Jânio, impulsivo e autoritário, imaginou que o Congresso recusasse sua carta. E, de joelhos, aceitasse as imposições que o renunciante fixasse. Falhou no cálculo. O senador Auro colocou na carta: “Ciente. Arquive-se”. E o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a presidência. Tendo, atrás de si, quepes de quatro estrelas.

O resto está na história: Tancredo Neves sugere a emenda parlamentarista. E os militares aceitam a posse de Jango. Presidente, no parlamentarismo.

18 de maio de 2019. O presidente Jair Bolsonaro, eleito com vantagem de 10 milhões de votos sobre o concorrente, incorpora, como estilo de governo, surpreendente agressividade. Ressaltando três características: a primeira, como pessoa, um confuso comportamento familiar. Introduzindo incompreensível mistura entre os papeis de presidente e de pai. Familismo abissal.

Segunda característica, como político, apresentou, sempre, no Parlamento, desempenho discretíssimo. Pontuado por atos de violência gestual e verbal. A ponto de exaltar a figura de reconhecido torturador. Na campanha para presidente, empunhava a mão sob forma de arma. Seu discurso abrigou improvável virulência contra grupos sociais. Especialmente os ligados à diversidade cultural.   

Terceira característica, como presidente, acentua estilo populista e autoritário. Não estimula a formação de base parlamentar de apoio no Congresso Nacional. Traz, para dentro do governo, questões relativas a costumes que somente ampliam o conflito político. Toma estranha distância do projeto mais importante do governo: o da reforma da Previdência.

Ora, quem tem alguma experiência pública sabe que, para governar, é preciso gerar pactos com três setores: os políticos, no Congresso; a burocracia, no serviço público; e os militares, nos quartéis. O presidente Bolsonaro faz questão de desafiar e provocar desencontros com todos três. Desentendeu-se com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia; declarou guerra ao mundo acadêmico; e deu razão a ideólogo de Virgínia contra os ministros militares que aceitaram servir ao governo.

O conjunto desses fatos me leva a pensar que o atual presidente poderá estar na trilha do ex presidente, Jânio Quadros. Ele produz meticuloso e sistemático esforço para desestabilizar o próprio governo. Ora, o alcance de tal esforço não se esgota no governo. Atinge o regime.

Chego a imaginar que, em tal senda, o presidente espera contar com o apoio dos ministros que o cercam. Assim como Jânio calculou mal, Bolsonaro, se devotado a igual propósito, também errará. Por uma razão: a lealdade essencial do soldado brasileiro é à Constituição.

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