49 anos

José Luiz Delgado
Professor de Direito da UFPE

Publicado em: 21/05/2019 03:00 Atualizado em: 21/05/2019 10:39

Não gosto de escrever sobre mim mesmo. Episódios de minha vida ou inquietações de minha alma imagino que possam interessar, no máximo, somente a familiares muito próximos. Abro aqui, porém, uma exceção, pelo que, neste registro pessoal, pode haver de proveito público.

Completei, na semana retrasada, nada menos de 49 anos de magistério ininterrupto na Faculdade de Direito do Recife. Penso que é um recorde e que nenhum outro professor, em toda a história da Faculdade, permaneceu tanto tempo na docência. Já há alguns anos virei o decano da casa. E sou também, agora, o mais idoso – quase gagá... Poucos meses antes de ter de me aposentar compulsoriamente, a lei mudou, e adiou a compulsória dos 70 para os 75 anos. Tive essa sorte que vários colegas, de muito maior brilho do que eu, não tiveram. E como não me havia aposentado voluntariamente antes (há bem uns 20 ou 15 anos), continuei sem me aposentar.

Porque gosto do magistério. A vida universitária, não a vejo como uma carreira, contabilidade de pequenos feitos e de titulações formais, essa contagem miúda e mesquinha de que é feita hoje a burocratíssima universidade brasileira. É um gosto, uma paixão, uma cachaça. O gosto do estudo, da investigação, da pura e elementar busca da verdade. Gosto também do convívio – provocativo, estimulante, renovador – com a juventude. E acho que tenho a obrigação de contestar certas concepções equivocadas que enchem  o mundo jurídico – o juspositivismo, o formalismo kelseniano, por exemplo.  E, então, continuo.

Mal me formei, em 1969, e recebi três honrosíssimos convites para ser professor na Faculdade: de Heraldo Almeida (Introdução), de Everardo Luna (Direito Penal) e de Silvio Loreto (Internacional Privado). Razões específicas me fizeram aceitar só o terceiro. Fui o primeiro assistente de dr. Silvio, e sempre admirei sua capacidade de compreensão, sua largueza humana, sua fidalguia. É amizade que ainda hoje me honra. Depois, fui seu companheiro de administração como vice-diretor quando ele dirigiu a Faculdade, e, em seguida, seu sucessor. Aos poucos, porém, fui-me dando conta de que minha inclinação pessoal era mais pelos estudos de direito público que de direito privado – e aí, já contando ele com outros assistentes, me transferi, primeiro, para Direito Municipal e, depois, já há quase 30 anos, para Direito Constitucional.

Espero que a idade não tenha prejudicado em mim alguma coisa do genuíno espírito juvenil – que é um espírito de indignação, de crítica, de divergência. Nem tenha arrefecido algum idealismo – as certezas de que a verdade existe, e devemos procurá-la; que podemos e devemos melhorar o mundo ao redor; e, sobretudo, que o mundo é passageiro e alguma coisa muito maior e muito melhor nos aguarda. Tenho também a tranquila consciência de que nunca escrevi e nunca ensinei senão aquilo em que acreditava e acredito. Não transigi seja com os valores seja com as ideias, não me agachei diante do poder ou diante das modas em vista de qualquer sedução deste mundo, que não busco – dinheiro, posição, prestígio, aplausos. Vou morrer frustrado, é óbvio: como todo homem – sem ter feito tudo quanto queria ou deveria fazer. Mas, ao menos, não traí, não desertei, não transacionei. Deve ser alguma coisa...

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